A vizinha
A vizinha
Lembro-me de ouvir minha mãe dizer, mais de uma vez, que a vizinha estava viajando. Era uma senhora bonita, alta, professora – numa época em que ser professora ainda tinha o seu charme. Eu olhava longamente para aquela casa a poucos passos da nossa, uma casa espaçosa, pintada de amarelo, com um jardim florido na frente. O marido da professora se encarregava de manter o jardim sempre viçoso, era comum vê-lo regando as plantas, podando os arbustos, remexendo os canteiros que havia delineado dos dois lados, junto aos muros.
Aquela casa, cujas janelas se conservavam fechadas durante boa parte do tempo, exercia certo fascínio sobre a minha infância, um fascínio que eu nunca soube muito bem explicar. Talvez se devesse, principalmente, à figura daquela mulher, que minha mente cercava dos melhores atrativos. Mais de uma vez ela passara diante de mim, elegante e rápida, mais de uma vez eu ficara imaginando que interessante devia ser a sua vida. Já naquela época, eu acalentava o sonho de viajar pelo mundo, de estender os meus horizontes tão longe quanto me permitissem as possibilidades.
Quando nos mudamos, alguns anos depois, perdi-a de vista. Só fui encontrá-la no dia em que assumi meu primeiro emprego em uma escola secundária. Para minha surpresa, trabalhava lá. Foi gentil comigo, naqueles primeiros dias. E, depois, como por encanto, desapareceu. Perguntei por ela e disseram-me que estava em licença de saúde. “Ah, está doente?”, inquiri. Uma das colegas aproximou-se, murmurando no meu ouvido: “Muito! Está na Europa, com o marido.”
Passaram-se os anos. Cursei Psicologia, a minha paixão, e fui trabalhar na Universidade. Casei-me, vieram os filhos, fomos obrigados a optar por um apartamento mais amplo. No dia da mudança, quem eu vejo na entrada do prédio? Minha ex-vizinha. Sempre elegante, embora umas tantas rugas lhe vincassem o rosto. Recebeu-me com carinho, conheceu a minha família. E pôs-se à disposição para ajudar no que fosse possível. Contou, com um sorriso triste, que perdera o marido. Estava só.
Pouco mais tarde, disseram-me que ela estava com câncer. Procurei fazer-lhe companhia, sempre que minhas ocupações permitiam. Ela mostrou-se agradecida. Vinha seguidamente ver-nos à noite. Numa madrugada, tocou o telefone. Pediu que a acudíssemos, não se sentia bem. Chamamos o médico, que a enviou reto para o hospital. Por lá ainda ficou uns dias, até que partiu tranquilamente, num domingo chuvoso. De certa forma, era uma parte de minha vida que se encerrava.