Reticências
Gosto das reticências. Elas são o mais harmonioso e democrático sinal ortográfico.
Os acentos são autoritários: têm o poder de mudar o fonema original das letras. Quem tem acento é mais forte. O ponto final é solitário, coitado. Os outros sinais – ponto e vírgula, dois pontos, ponto de exclamação e de interrogação – têm sempre um símbolo em cima do outro. Embora essa posição de “um em cima do outro” muitas vezes seja bem prazerosa, visualmente não é muito igualitária, dá ideia de hierarquia.
Já as reticências, não. São três pontos no mesmo nível, um ao lado do outro, cada um fazendo companhia ao outro, e dando continuidade a uma infinidade de situações. Ou seja, ligam a ideia dita à não dita, unem o passado com o que ainda está por vir.
Além disso, elas têm mil e uma utilidades. Quando não se sabe o que dizer, exprimem-se reticências. Quando se sabe, mas se tem receio, vergonha ou medo, colocam-se reticências. Quando se retira alguma parte dispensável do texto, usam-se as reticências para indicar a supressão. Isso mostra que alguns textos até são dispensáveis, mas as reticências não.
Quando converso no msn ou até mesmo nos e-mails, uso muitas reticências para indicar que não foi uma frase seca. As frases ásperas e ríspidas nunca são terminadas com reticências. Quem é monossilábico também não usa reticências.
Além disso, usando formalidade, não se colocam reticências, apenas ponto final. A formalidade é objetiva, séria, quadradinha. As reticências são subjetivas, humanas, amorosas, emotivas.
Elas são o símbolo da liberdade. Permitem que a criatividade voe longe, dando asas às possibilidades do que elas estariam representando, instigando a imaginação daquilo que vem depois delas. Mário Quintana as definiu poeticamente: “As reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho.”
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(Catalão, 12/09/2009)