PARA NÃO PERDER O ÉLAN
Prometi a mim, quando batesse a fase “escrever mais o quê?”, contrariando a premissa de Pessoa “Tudo vale a pena / Quando a alma não é pequena”, montar barricada a favor de manter viva a chama.
Li um texto do recantista Otto M. “Pensamentos Avulsos”, sobre fases em que nenhum assunto parece despertar o interesse de escrever. E ele dá exemplo de como, quando se é bom, mesmo escrevendo sobre o tema, pode resultar um texto original e verdadeiro.
Por coincidência, há algum tempo eu pensava no tema. Vez por outra, nas leituras dos bons cronistas daqui, deparo-me com textos discorrendo sobre a matéria.
Eu mesma, em prosa, poesia ou prosa poética, já o abordei.
Tentando, mais uma vez, compreender esses lapsos que acometem o escritor, já refleti muito e nesse exato momento ocorre-me ser impossível tratar-se realmente de falta de assunto.
Ora, desde que nascemos, somos assuntos permanentes de nós mesmos e o mundo em que vivemos entra na pauta de todos os dias, horas, minutos, segundos. Estamos envolvidos por nossa presença e percepção do que somos, deixamos de ser, gostaríamos que fôssemos ou não deveríamos ser. E o mundo nos bombardeia com informações numa velocidade capaz de assustar quem viveu há duas décadas atrás.
Estamos no ano dois mil e nove e nos referimos a uma década atrás como “o século passado”, o que nos leva a refletir sobre a implacabilidade do tempo.
Talvez esteja aí o cerne do branco da folha, do monitor:
“O tempo passa, e tudo continua o mesmo, ou pior... Será um poema, uma crônica ou quaisquer outras palavras que farão a diferença?”
Contudo, o mundo é o que está aí e a nós cabe nos inventarmos na quantidade e qualidade necessárias ao fato de nele estarmos vivendo.
O anseio do que poderia ser melhor, nossa indignação e desalento ante as barbáries noticiadas e presenciadas, a sociedade em geral se conformando a comportamentos que denunciam uma crise de conceitos ou a ausência da definição de políticas visando a nortear ações e reações de governantes e cidadãos, tudo parece obedecer aos ditames do imediatismo, do improviso e o salve-se quem puder da última hora.
Falta assunto? Certamente a resposta é não. Talvez o que sobra é a autocensura, autocrítica, exigência exacerbada, sentimento o mais do mesmo, o rigor do senso estético, etc. Tudo isso traduzido como um sabotador interno a ser combatido com a única arma à disposição do escritor: a Palavra.
A interação aqui no Recanto nesses momentos de hibernação do impulso criativo, coloca-nos frente a possibilidades de boa leitura e de estarmos em contato com o que já produzimos, como bem me apontou o excelente Dudu Oliveira, escritor deste site; o revisitar de nós mesmos, garimpar novos autores, ou autores já consagrados, lançar um olhar de novidade para nossa rua, nossa casa, nossa cara, redescobrir nossa aldeia, são formas de tornar novo o cotidiano que nos cerca e reinventar-nos no já consagrado “o mais do mesmo”, expressão que na boca de Barack Hussein Obama foi um dos ingredientes com a força para destronar o velho, confuso e malfadado Bush, inaugurando um tempo de renovação, esperança e afirmação, em meio à pior crise do após guerra.
Portanto, quando bater aquele espírito querendo lhe roubar o élan, faça o Mais e Melhor do mesmo...
21/09/2009