Como nascem os palhaços
Recentemente decidi que participaria de um curso de palhaços, mas refleti muito, muito mesmo, para tomar essa decisão. É porque conheço muita gente que não perderia um único segundo para pensar em tal possibilidade. Eu mesmo, há alguns anos, não hesitaria em descartá-la de cara. Mas antes de continuar, vai um alerta: dizendo isso não tenho a pretensão de julgar ou convencer quem abomine os palhaços. Ao contrário, se você abomina, saiba que respeito integralmente a tua opinião, entendendo que a figura do palhaço também é amplamente detestada. Por exemplo, se você for a um circo, bastará um pouco de atenção para perceber que tem gente que gosta de tudo, menos dos palhaços. Vamos a um exemplo extremo: acompanhe dez crianças em um circo e você descobrirá que, em algum momento, cinco delas vão chamar os palhaços de coitados. E você já imaginou no que elas estavam pensando todas as vezes que chamaram você de palhaço ou palhaça? Realmente, o principal indício da má aceitação do palhaço é o uso ofensivo do termo. Você consegue estimar, por exemplo, quantas pessoas perderam suas vidas porque, no trânsito ou em outra circunstância, usaram o adjetivo “palhaço” como um xingamento? E, se não bastasse morrer, muita gente lembra a causa mortis nesses casos da seguinte maneira: “morreu porque fez palhaçada!”. É por isso que “fazer palhaçada” e “fazer cagada” algumas vezes são expressões sinônimas. Claro que eu não penso assim, aliás, confesso que tenho apreciado palhaços, palhaças e palhaçadas, embora respeite opiniões contrárias. E devo repetir: não estou aqui para convencer quem quer que seja a considerar a hipótese de gostar dos palhaços ou de, um dia, assumir-se como palhaço — porque tem muito palhaço enrustido por aí. Venho aqui, e com toda a franqueza, porque preciso lavar a minha alma, porque há muito anseio pelo momento de compartilhar a sina que tomou conta de meus dias e peço que o leitor possa ser uma criatura caridosa e bondosa o suficiente para considerar o motivo que leva um ser humano relativamente normal a manifestar o desejo, naturalmente secreto, de querer ser palhaço. A princípio, o melhor argumento que há em defesa de um palhaço é muito simples: ninguém tem culpa de ser assim! Isso porque uma recente descoberta revelou que ser palhaço é, na verdade, uma doença. Ela é causada principalmente pelo “palhacitis rasteiranis”, um vírus que contagia as pessoas das maneiras mais inesperadas. Mas não se preocupe, leitor, várias pesquisas já indicam formas eficientes de evitar o contágio do “palhacitis”. Basta manter a seriedade acima de tudo, sempre. Ou seja, se você se deparar com alguém sorrindo, desvie os olhos e não queira saber o motivo; se for um riso, vire a cara mesmo e despreze terminantemente; e se for uma gargalhada, afaste-se o mais rápido possível. E jamais, jamais, jamais se atreva a rir, pois um riso pode facilmente levar a outro. É simples, não é? Não, não é, porque há uma variante muito perigosa desse vírus, que é o “palhacitis agudus”, cujos sintomas são terríveis. Você saberá que é portador dessa variante caso, além de sorrir, rir ou gargalhar, você manifeste o desejo de provocar um simples sorriso, riso ou gargalhada em alguém. Se chegar nesse ponto as tuas chances de salvação podem ser mínimas, afinal você já se tornou um palhaço, só que ninguém quis te contar! Pois é, leitor, se tentei ser neutro ao expor esses fatos, é porque ainda me sinto uma pessoa responsável e consciente – porque a maior parte dos palhaços não está nem aí com os outros, querem mais é que as pessoas morram de rir. Preciso dizer, enfim, que estou sofrendo do palhacitis há muito tempo e que, antes, quando ninguém ria das bobagens que eu dizia, não tinha qualquer problema, pois eu mesmo me rachava de rir. Mas agora, percebo que cheguei a um estágio avançado da doença e não suporto mais isso, leitor, percebo que ninguém consegue ser um palhaço que se preze se não tem capacidade de provocar risos e gargalhadas. Bem, por isso refleti muito, muito mesmo, para decidir. E vamos ao curso!