O BANGALÔ DE HELENA
Tem dias em que acorda-se perdido,feito cachorro que caiu da mudança...Têm-se a impressão de estar fraquejando,desesperançoso,meio sem rumo...
Eu estava sentindo-me assim.A xícara de café na mão,um olhar no vapor que desprendia-se,ensaiava a dança do ventre,contorcionava-se,sumia...E eu,ali...Observando vapores,alando pensamentos...
Do outro lado da vidraça:uma roseira...O vento a balança,sacode-a com estupidez e insensibilidade,frias,a ponto de nem perceber que é setembro!
Balançam as rosas;os galhos inclinam-se,tentam o resgate das pétalas agonizantes na grama.Sobem novamente...Tentativas inúteis.Rosas ao chão,vapores contorcionistas,manhã de setembro,vento...ventania...
Captei a mensagem!...Vento,meu adorável gurú!...Entendi:vieste convidar-me a uma volta no tempo...Estou certo disso.Sabes o quanto eu gosto de retornos!...
É claro!Eu me lembro...Devia ser setembro,já se vai tanto tempo...A rua do Fomento...Os quintais dão recados floridos enquanto os meninos brincam.
Bangalô de Helena!...Joana,a criada,limpa as vidraças...Cantarola!...A sua voz é bonita,a vizinhança alegra-se ao ouvi-la;ela sabe disso,então,capricha...O vento difunde a cantoria...Joana,morena,cheia de vida,canta na manhã de setembro!Fala de flores na canção.Sim,Valsa das rosas!..."Tôdas as môças de rosas nas mãos,enquanto a gaita tocava...E eu olhava com muita atenção,o par que melhor dançava..."A música é de uma cantora popular gaúcha,o esmero,a afinação e a emoção de Joana são de uma Sarita Montiel (La Violettera).
Os ouvidos atentos da ruazinha agasalham as notas da "precurssora da primavera".
Não tarda e seu Arnoldo,dono da casa,sai para sua longa caminhada matinal...Vai pelos campos...Os seus campos!...Tapetes verdes que lhe ´pertencem deotam-se nos muitos alqueires.Segue assobiando...Caminha lento,plácido...Lembra um personagem saído das páginas de um romance.Uma breve parada diante do olho d´agua,outra no riacho e a derradeira,diante do charco que divide suas terras com os campos de dona Lúcia.O charco tomado por inteiro de margaridas brancas...Seu Arnoldo extasiado,espia a paisagem,continua assobiando,cruza os braços e divisa o céu...
Do outro lado,curiosas,as ovelhas lhe observam...A beleza da cena é de uma ternura indescritível!...
O bangalô,agora meio descorado,continua lá.Guarnecem-lhe à frente dois ipês floridos.Um cavalo pasta....Pisa o tapete amarelo!...As dentadas na grama determinam o compasso das batidas do sincerro.Verdeja o campo à sua inteira disposição e pelos cupins surge a familia das corujas buraqueiras!...Despertam para bebericar o sol da manhã...Orgulhosas de seus filhos,abrem as asas,piscam os olhos..."September morning!"...
Seu Arnoldo partir para um cruzeiro nos mares da eternidade,Helena lhe fez companhia algum tempo depois...A carta que enviaram,falando de margaridas no charco,extraviou-se no destino.Imagina-se estarem felizes e a canção que ouvem agora é celestial.
Os filhos preservam o bangalô...O giro de uma chave trancou-lhe as lembranças,a sonoridade,a vida...Da estrada de chão a poucos metros,sua fachada sugere uma "caixinha de música"...Se aberta,certamente eclodirá de seu interior a voz de Joana,o assobio de Arnoldo...
Prossegue a dança dos vapores,seguro a xícara e a campainha toca.Abro a porta...Não há ninguém.Pelo chão arrasta-se ao vento um pequeno manuscrito.Abro-lhe:a mensagem ,e diz:
"Amanhã,dia 22 estarei chegando".
Um abraço,da sua prima Vera.
Dedido esta crônica aos meus amigos de infância,vizinhos queridos dos tempos da rua do Fomento,filhos do adorável casal "Helena e Arnoldo".