Considerações finais sobre "As Aventuras de Tonico"
Como vocês sabem, Tonico era o meu apelido de infância, o qual eu abominava, pois lembrava o capiau, o jeca-tatu das histórias dos gibis antigos. Como o Tonico era um menino de pavio curto, piadista, irreverente e debochado, mas de coração nobre e sempre disposto a lutar contra as injustiças e abusos do poder – familiar, social, religioso ou político - e como o menino é o precursor do velho, creio que o Tonico jamais de dissociou da minha personalidade. Mesmo depois dos 60, eu, de vez em quando, ainda sou Tonico. Por isso, recordá-lo de calças curtas, até o 15º texto da série “As Aventuras de Tonico” foi muito prazeroso para mim.
No entanto, como esse Tonico da minha infância era useiro e vezeiro em se meter em grandes encrencas e usava de toda a sua engenhosa astúcia para safar-se delas, eu incorporava esse Tonico quase obrigatoriamente e sempre que a minha extrema compulsão alcoólica me empurrava para o primeiro gole, sinônimo de encrenca para um dependente químico. Por isso, recordar esse Tonico, a partir do 16º texto da série, não foi nada agradável para mim.
Não obstante o componente hilário que às vezes pontilhava essas aventuras do Tonico alcoólico, engana-se quem pensar que as recordo de bom grado, como divertida lembrança do meu passado! Não! Aquele humor era um humor negro, o humor do desespero, patética autodefesa de quem atingiu um fundo de poço tão fundo que a muitos parece inacreditável dele ter saído, pois a minha dependência ao álcool me arrastou a comportamentos absurdos, degradantes e até mesmo irracionais. Perdi famílias, perdi bons empregos, caí na mais completa sarjeta financeira, moral e social, onde cheguei a beber desodorantes e álcool puro; menti, roubei e defraudei para obter recursos para sustentar a minha compulsão pelo álcool.
Relatei essas aventuras desse Tonico para, de uma maneira leve, fugindo ao tom grave dos conselhos, pregações ou advertências morais, deixar bem claro para vocês – porque um exemplo vale mais do que mil conselhos – que o alcoolismo é doença física, mental, e, provavelmente espiritual, e que nada tem a ver com caráter fraco ou falta de vergonha na cara. E é o meu exemplo de sofrimento e de recuperação do alcoolismo que dá provas irrefutáveis para vocês de que esse entendimento – hoje cientificamente confirmado – é insofismável e de que não estou apenas me defendendo ou tentando justificar as minhas desconcertantes atitudes do meu mau passado alcoólico.
Nasci dotado de prodigiosa memória, imaginação e inteligência, as quais, graças a Deus, não foram afetadas pelo consumo excessivo do álcool. Até os 25 anos de idade, antes de cair na mais completa dependência alcoólica, fui incapaz de uma falta ao serviço ou de um mínimo ato de desonestidade. Tinha vergonha na cara? Claro que tinha! Contudo, depois que me tornei um completo dependente alcoólico, não foram poucos os meus atos contrários à moral, aos bons costumes, à ordem social e até mesmo à Lei. Tinha perdido a vergonha na cara? É duvidoso que isso tenha ocorrido: caráter se tem ou não se tem, não se ganha e nem se perde.
Então, um dia, à beira do desespero, inconformado com a minha situação de bêbado contumaz, persona non grata em qualquer evento ou círculo social, cheguei ao AA (Alcoólicos Anônimos) e lá, sem conselhos ou sermões, me disseram apenas isto: Que eu era mais um, entre milhões de pessoas neste mundo, que era um doente alcoólico, isto é, uma pessoa que não pode ingerir bebidas alcoólicas, apesar de – oh, estranho paradoxo! – ter nascido com uma predisposição psíquica muito grande para o uso de substâncias entorpecentes, entre as quais o álcool, que é uma das usadas em todo o mundo por ser de livre e fácil acesso. Que, nesse caso, não há cura: o alcoólico é como o diabético, este não pode ingerir o açúcar tanto quanto aquele não pode ingerir o álcool sem experimentar consequências desagradáveis e que, portanto, só restava uma alternativa aos doentes alcoólicos: a abstenção completa e pelo resto da vida do uso de qualquer forma de bebida alcoólica. Que eles – os que já estavam em AA quando cheguei – tinham aceitado incondicionalmente essa condição de impotência para o álcool e que estavam há anos libertos da sua desgraça engarrafada. E mais: que se eu estivesse disposto a renunciar ao meu tolo orgulho que me fazia buscar cegamente a ilusão da garrafa, e estivesse disposto a acreditar num Poder Superior que me daria forças para isso, eles estariam ali, de mãos estendidas para me ajudar, até porque é esta uma das principais premissas de AA: “Quando alguém, seja aonde for, precisar de ajuda, quero que a mão de AA esteja ali para ajudar. Para isso, somos responsáveis."
Acreditei e fiquei com eles. E no dia 26 de outubro próximo, estarei completando 10 anos sem ingerir o menor copo de bebida alcoólica. Isso só contando o tempo de sobriedade contínua, porque, na verdade, eu já havia aderido ao Programa de AA muito antes de ficar definitivamente sóbrio, em 1999, mas sofria de temporárias recaídas. Mas quando recaía, voltava ao AA e recomeçava tudo, até que não tive mais fracassos; na verdade, o Tonico, bebedor-problema, só exerceu o seu completo domínio sobre mim até o ano de 1987. Ao todo, portanto, dentro da programação de AA, creio poder contabilizar mais de 20 anos de abstenção ao álcool. Não tomei juízo e nem vergonha na cara – eu já nasci com ambos – mas sim, tomando plena consciência do meu problema de saúde física e mental, pude tratar-me adequadamente.
Se você leu as “Aventuras de Tonico” e viu, a partir do 16º texto, em que ele se transformou por causa de sua dependência alcoólica, e se você ou alguém que você conhece tem problemas com o uso descontrolado de bebidas alcoólicas, procure ajuda num dos milhares de Grupos de AA espalhados por todo este Brasil.
Que o AA funciona – para quem tem o sincero desejo de abandonar a bebida – isso é certo e a minha recuperação (em certo tempo considerada impossível por muita gente) o prova.
O Tonico temperamental e brigão, piadista, irreverente (quem sabe, até debochado), de coração de manteiga, vocês, com certeza, ainda verão muitas vezes, enquanto eu for vivo. Mas garanto para vocês que jamais verão o Tonico bêbado, escondendo-se da vida atrás de uma garrafa de bebida ou praticando lamentáveis astúcias para safar-se das suas trapalhadas alcoólicas. Com certeza.
Como vocês sabem, Tonico era o meu apelido de infância, o qual eu abominava, pois lembrava o capiau, o jeca-tatu das histórias dos gibis antigos. Como o Tonico era um menino de pavio curto, piadista, irreverente e debochado, mas de coração nobre e sempre disposto a lutar contra as injustiças e abusos do poder – familiar, social, religioso ou político - e como o menino é o precursor do velho, creio que o Tonico jamais de dissociou da minha personalidade. Mesmo depois dos 60, eu, de vez em quando, ainda sou Tonico. Por isso, recordá-lo de calças curtas, até o 15º texto da série “As Aventuras de Tonico” foi muito prazeroso para mim.
No entanto, como esse Tonico da minha infância era useiro e vezeiro em se meter em grandes encrencas e usava de toda a sua engenhosa astúcia para safar-se delas, eu incorporava esse Tonico quase obrigatoriamente e sempre que a minha extrema compulsão alcoólica me empurrava para o primeiro gole, sinônimo de encrenca para um dependente químico. Por isso, recordar esse Tonico, a partir do 16º texto da série, não foi nada agradável para mim.
Não obstante o componente hilário que às vezes pontilhava essas aventuras do Tonico alcoólico, engana-se quem pensar que as recordo de bom grado, como divertida lembrança do meu passado! Não! Aquele humor era um humor negro, o humor do desespero, patética autodefesa de quem atingiu um fundo de poço tão fundo que a muitos parece inacreditável dele ter saído, pois a minha dependência ao álcool me arrastou a comportamentos absurdos, degradantes e até mesmo irracionais. Perdi famílias, perdi bons empregos, caí na mais completa sarjeta financeira, moral e social, onde cheguei a beber desodorantes e álcool puro; menti, roubei e defraudei para obter recursos para sustentar a minha compulsão pelo álcool.
Relatei essas aventuras desse Tonico para, de uma maneira leve, fugindo ao tom grave dos conselhos, pregações ou advertências morais, deixar bem claro para vocês – porque um exemplo vale mais do que mil conselhos – que o alcoolismo é doença física, mental, e, provavelmente espiritual, e que nada tem a ver com caráter fraco ou falta de vergonha na cara. E é o meu exemplo de sofrimento e de recuperação do alcoolismo que dá provas irrefutáveis para vocês de que esse entendimento – hoje cientificamente confirmado – é insofismável e de que não estou apenas me defendendo ou tentando justificar as minhas desconcertantes atitudes do meu mau passado alcoólico.
Nasci dotado de prodigiosa memória, imaginação e inteligência, as quais, graças a Deus, não foram afetadas pelo consumo excessivo do álcool. Até os 25 anos de idade, antes de cair na mais completa dependência alcoólica, fui incapaz de uma falta ao serviço ou de um mínimo ato de desonestidade. Tinha vergonha na cara? Claro que tinha! Contudo, depois que me tornei um completo dependente alcoólico, não foram poucos os meus atos contrários à moral, aos bons costumes, à ordem social e até mesmo à Lei. Tinha perdido a vergonha na cara? É duvidoso que isso tenha ocorrido: caráter se tem ou não se tem, não se ganha e nem se perde.
Então, um dia, à beira do desespero, inconformado com a minha situação de bêbado contumaz, persona non grata em qualquer evento ou círculo social, cheguei ao AA (Alcoólicos Anônimos) e lá, sem conselhos ou sermões, me disseram apenas isto: Que eu era mais um, entre milhões de pessoas neste mundo, que era um doente alcoólico, isto é, uma pessoa que não pode ingerir bebidas alcoólicas, apesar de – oh, estranho paradoxo! – ter nascido com uma predisposição psíquica muito grande para o uso de substâncias entorpecentes, entre as quais o álcool, que é uma das usadas em todo o mundo por ser de livre e fácil acesso. Que, nesse caso, não há cura: o alcoólico é como o diabético, este não pode ingerir o açúcar tanto quanto aquele não pode ingerir o álcool sem experimentar consequências desagradáveis e que, portanto, só restava uma alternativa aos doentes alcoólicos: a abstenção completa e pelo resto da vida do uso de qualquer forma de bebida alcoólica. Que eles – os que já estavam em AA quando cheguei – tinham aceitado incondicionalmente essa condição de impotência para o álcool e que estavam há anos libertos da sua desgraça engarrafada. E mais: que se eu estivesse disposto a renunciar ao meu tolo orgulho que me fazia buscar cegamente a ilusão da garrafa, e estivesse disposto a acreditar num Poder Superior que me daria forças para isso, eles estariam ali, de mãos estendidas para me ajudar, até porque é esta uma das principais premissas de AA: “Quando alguém, seja aonde for, precisar de ajuda, quero que a mão de AA esteja ali para ajudar. Para isso, somos responsáveis."
Acreditei e fiquei com eles. E no dia 26 de outubro próximo, estarei completando 10 anos sem ingerir o menor copo de bebida alcoólica. Isso só contando o tempo de sobriedade contínua, porque, na verdade, eu já havia aderido ao Programa de AA muito antes de ficar definitivamente sóbrio, em 1999, mas sofria de temporárias recaídas. Mas quando recaía, voltava ao AA e recomeçava tudo, até que não tive mais fracassos; na verdade, o Tonico, bebedor-problema, só exerceu o seu completo domínio sobre mim até o ano de 1987. Ao todo, portanto, dentro da programação de AA, creio poder contabilizar mais de 20 anos de abstenção ao álcool. Não tomei juízo e nem vergonha na cara – eu já nasci com ambos – mas sim, tomando plena consciência do meu problema de saúde física e mental, pude tratar-me adequadamente.
Se você leu as “Aventuras de Tonico” e viu, a partir do 16º texto, em que ele se transformou por causa de sua dependência alcoólica, e se você ou alguém que você conhece tem problemas com o uso descontrolado de bebidas alcoólicas, procure ajuda num dos milhares de Grupos de AA espalhados por todo este Brasil.
Que o AA funciona – para quem tem o sincero desejo de abandonar a bebida – isso é certo e a minha recuperação (em certo tempo considerada impossível por muita gente) o prova.
O Tonico temperamental e brigão, piadista, irreverente (quem sabe, até debochado), de coração de manteiga, vocês, com certeza, ainda verão muitas vezes, enquanto eu for vivo. Mas garanto para vocês que jamais verão o Tonico bêbado, escondendo-se da vida atrás de uma garrafa de bebida ou praticando lamentáveis astúcias para safar-se das suas trapalhadas alcoólicas. Com certeza.