Lenço pisoteado...
Águida Hettwer
Um olhar terno por cima dos óculos, tecendo longos fios matizados, tricotando um suéter para presentear o neto, que fará dezoito anos. Na companhia de alguns bocados de pensamentos, povoando-lhe a mente. Como se espiasse o mundo lá fora, sem sair debaixo dos cobertores.
Ainda para esse terno olhar, corre um menino a frente de casa, tropeça, estatela-se ao chão. Olha para os lados, na timidez do choro, que insiste em descer. Levanta-se, sacode a poeira do basalto, e segue o rumo das brincadeiras de moleque.
Rodeada em uma aldeia de lembranças, onde muitos se foram, reatando os nos da coerência, anulando a rispidez das palavras. Dos desaforos ditos em silêncio, e pela indiferença no trato. Cai o lenço, e ninguém estende as mãos para junta-lo, por vezes ainda lhe é pisoteado.
Quisera atender um telefonema, para quebrantar a monotonia, arrumar a casa várias vezes ao dia, pela distração das crianças entre os cômodos. Limpar as manchas de dedos nas vidraças, pois assim ainda a vida lhe tinha graça. Estrear a nova receita de pudim, retirada de um site de quitutes.
As visitas cada vez mais escassas sobram-lhe pratos e copos sobre a mesa. Nos armários as validades dos mantimentos estão por vencer. Perdeu-se o viço das flores, fecham-se as cortinas, apagam-se as luzes, ofusca-se o brilho de viver.
21.09.2009
Águida Hettwer
Um olhar terno por cima dos óculos, tecendo longos fios matizados, tricotando um suéter para presentear o neto, que fará dezoito anos. Na companhia de alguns bocados de pensamentos, povoando-lhe a mente. Como se espiasse o mundo lá fora, sem sair debaixo dos cobertores.
Ainda para esse terno olhar, corre um menino a frente de casa, tropeça, estatela-se ao chão. Olha para os lados, na timidez do choro, que insiste em descer. Levanta-se, sacode a poeira do basalto, e segue o rumo das brincadeiras de moleque.
Rodeada em uma aldeia de lembranças, onde muitos se foram, reatando os nos da coerência, anulando a rispidez das palavras. Dos desaforos ditos em silêncio, e pela indiferença no trato. Cai o lenço, e ninguém estende as mãos para junta-lo, por vezes ainda lhe é pisoteado.
Quisera atender um telefonema, para quebrantar a monotonia, arrumar a casa várias vezes ao dia, pela distração das crianças entre os cômodos. Limpar as manchas de dedos nas vidraças, pois assim ainda a vida lhe tinha graça. Estrear a nova receita de pudim, retirada de um site de quitutes.
As visitas cada vez mais escassas sobram-lhe pratos e copos sobre a mesa. Nos armários as validades dos mantimentos estão por vencer. Perdeu-se o viço das flores, fecham-se as cortinas, apagam-se as luzes, ofusca-se o brilho de viver.
21.09.2009