LEMBRANÇAS DA INFÂNICA - Meus Avós Materno
Era um dia de sábado, como de costume minha Avó Filó chegava cedo para ajudar minha mãe na tarefa de lavar roupas, somente retornando para casa ao finalzinho da tarde, quando apanhava toda a roupa do varal. Minha mãe era a filha caçula (expressão usada no Nordeste para o ultimo filho ou filha do casal) e, de certa forma, privilegiada por isso, pois seus irmãos e irmãs tinham tantos filhos quanto ela, mas minha avó estava sempre ajudando minha mãe. Quando a Avó Filó chegava era uma alegria, vinha logo a esperança de voltar com ela, gostava de passar o domingo com meus avós.
Meu Avô era pescador e agricultor, e sempre me aguardava com um pratinho de peixe, assado na chapa do fogão à lenha, sem nenhuma espinha, pois as tirava cuidadosamente. O peixe acompanhava batatas cozidas colhidas do próprio roçado, descascadas e cortadas em rodelas. Além disso, também havia sobre a mesa um pratinho coberto guardando um corte de quebra-queixo, doce consistente de coco, comprado ao vendedor que passava todas as tardes no arruado que moravam.
O ritual que meu Avô fazia para me esperar não falhava, mas minha Avó nem sempre conseguia a minha companhia facilmente. Lembro que certo dia, quando já estava pronta para sair, perguntou à minha mãe: - Posso levar Goretinha? Era assim que me chamava. Minha mãe, mulher fiel aos princípios da família patriarcal, não decidia quando meu pai estava em casa, e num ato de submissão perguntava-o: - Mãe pode levar Gorete? Entre a resposta do meu pai e a expectativa de minha avó havia um grande suspense, então vinha a resposta: - Deixe para levar a semana que vem. Minha avó baixava a cabeça e saia à chorar.
Numa dessas passagens, lembro que quando minha avó já havia saído, minha mãe criou coragem e pediu: - Deixe a menina ir, Mãe toda vez que ela não vai sai daqui chorando! Então meu pai sensibilizado, embora continuasse dono da decisão, cedeu ao pedido e disse: - Chame Dona Filó. E logo surgiu o grito: - Mãe, Gorete vai!!!! Minha Avó retornava entre lágrimas e risos, me pegava pela mão e saia como se tivesse ganhado o céu.
Sei muito bem qual era a alegria do meu Avô quando me via chegar de mãos dadas à minha Avó, e eu, usufruía de toda atenção e dengo que me davam. Mas quando criança, jamais pude imaginar na tristeza que poderia se apoderar de meu Avô quando isso não ocorria.
Hoje a lembrança deles dois veio muito forte, deu-me uma grande saudade e pus-me a pensar: como não se sentia meu Avô quando não me avistava pegadinha à mão de minha Avó, ao retornar de minha casa? O que fazia com o peixe sem espinhas, as rodelas de batata doce e o quebra-queixo? E o que fazer, com a saudade que sinto deles hoje? As lembranças me confortam e me fazem reviver a infância com a sensação de que, como um toque de mágica, meus avós continuam se alegrando cada vez que faço o ritual antes de comer peixe com rodelas de batata doce.
(Maceió, 13/09/09)