Bota uma roupa!

Durante as primeiras décadas da minha vida eu me vesti mal. Sempre limpo e arrumado, mas mesmo assim “mal”. Nunca me importei com o que eu vestia, talvez por humildade, talvez por uma ilusão de humildade. Mas chega um momento em que a gente pára pra pensar e rever velhos conceitos. Foi então que conclui que a vestimenta é a característica mais importante da nossa personalidade.

Você é o que você fala. Você é o que você pensa. Você é o que você come... um monte de disparates! Pois muitas vezes você fala sem pensar, muitas vezes você pensa sem querer, muitas vezes você não tem nada melhor para comer. Mas você pode medir um caráter pela roupa que veste o caráter.

Se você é cristão (ou judeu), então você acredita numa história famosa. Adão e Eva viviam nus no Jardim do Éden. Não sentiam vergonha um do outro. Então Eva decidiu burlar uma regra imposta por Deus e comeu um pedaço da fruta da Árvore do Conhecimento – o que é curioso, pois qualquer pessoa quereria obter conhecimento, mesmo contra a vontade de Deus – e, influenciada pela vergonha gerada (ou seja, conhecimento = vergonha), acabou fazendo uma saia com folhas de bananeira... ou de qualquer outra árvore, talvez da própria Árvore do Conhecimento.

Eva foi a primeira pessoa a se vestir, e, desde então, a confecção de roupas tornou-se uma Arte. Nós, seres humanos, por vergonha ou desprezo de nosso próprio corpo, aprendemos a substituir nossa pele por peças de pano... e a cada dia que passa estamos cada vez mais dispostos a pagar altos preços por isso!

Entre em um trem ou ônibus, ou passeie pelo centro de sua cidade, e observe. Pelo menos um destes tipos você vai encontrar: um gordinho usando uma camisa pólo, uma menina muito nova para trajar aquela roupa, um magrelo vestindo a camisa de algum time do futebol europeu, um grandalhão com uma camisetinha muito apertada, um cabeludo de camisa preta com uma caveira estampada.

Por isso eu visto o que quero parecer a olhos vistos.

Durante as primeiras décadas da minha vida eu me vesti mal, mas comecei a separar um pouquinho do meu salário para as minhas despesas com roupas. Agora uso camisas de marca, originais de times de futebol, calças esportivas e tênis da moda. E com isso vi, subitamente, tudo mudar. O tratamento recebido em lojas mudou, os colegas de trabalho passaram a me tratar melhor, as moças já não me desferem aquele olhar torto de quem se desinteressa pelo invariável.

E é nesse ponto que eu gostaria de chegar. Será que em tempos pré-históricos, quando Adões e Evas andavam nus e livres por aí, livres da vergonha, livres dos tabus... será que eles podiam enxergar o que estava “dentro”? Será que o aspecto físico, a silhueta, os rostos simétricos, as roupas de fino corte com símbolos do corporativismo bordados e tudo mais eram realmente relevantes?

Nos dias de hoje você é o que você veste, e este modo de se vestir mede o seu “conhecimento”. Não conhecimento transcendente, filosófico ou espiritual: mede o conhecimento da natureza humana, social e financeira. Nos dias de hoje o que você é “por dentro” não interessa nem às mentes mais brilhantes, nem aos empresários ou parceiros sexuais... e ainda há pessoas que falam em evolução!

Se for evolução de tudo o que é superficial, concordo.

Não quer participar do inevitável turbilhão da moda? Então vista sua roupa mais medíocre, fuja para a selva e viva com os animais.

Mas cuidado para não ser ofuscado pelo belíssimo indumento da onça, que não sai de moda nunca...