Contando os pingos

Isso é só a chuva vibrando o telhado. Chuva e vento molhando o zinco castigado pelo sol, aliviando o calor do asfalto, dando fôlego a protozoários e bactérias nas poças d’água. Não se preocupe, é só a chuva apodrecendo as antenas no cume das casas. É a natureza dando-nos mais uma chance. É ela lambendo suas próprias feridas. É a chuva e o vento, fazendo cães se encolherem em suas casinhas, obrigando mendigos a recolherem-se a abrigos mais amplos. A chuva tilintando aqui no telhado é a mesma que cai, limpando os vômitos e mijos de finais de noite nas ruas, levando para a correnteza dos cordões de calçadas tocos de cigarro, panfletos de cartomantes e os jornais velhos que estampam nossas desgraças diárias. É a chuva disfarçando a lágrima e borrando a maquiagem pesada no rosto de mulheres descartáveis que vendem prazeres rápidos nas esquinas. Uma prova de dor para sentirem-se vivas. A chuva que bate na janela é a mesma que enferruja os balanços e gangorras nas praças. A mesma chuva aqui e lá. Então relaxe, meu bem. Tente contar os pingos e durma de novo. Enquanto a chuva e o vento lá fora seguem colocando ordem nas coisas, dando-nos a chance de errar tudo outra vez.

Fábio Monteiro
Enviado por Fábio Monteiro em 20/09/2009
Reeditado em 21/09/2009
Código do texto: T1820491
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