DEPOIMENTO III _ O ÁLCOOL E EU/ANO DE 2005

Estou frequentando os Alcóolicos Anônimos, em Porto Alegre, desde janeiro. Estou tentando fazer um inventário de mim. Uma coisa me vem a cabeça: passei anos ouvindo minha mãe e outros membros da família dizendo "A Maria se não bebesse, seria perfeita". Isso sempre me incomodou e agora eu sei porque. Eu não queria ser perfeita; ninguém é perfeito. Passei a beber mais e a desenvolver um sentimento de culpa que me fazia temer tudo e a todos.

No fundo eu sabia que não era perfeita; as pessoas não viam meus defeitos porque eu os encobria. Eu era medrosa, insegura e fraca; não sabia dizer "não" a situações que me desagradavam. Por receio de não ser aceita, eu concordava com tudo e todos. Só que isso me incomodava.

Pronto, descobri: passei a beber para ter coragem de dizer coisas, para dar liberdade a meus instintos aprisionados. Aí formou-se um círculo vicioso: sóbria eu "engolia" minhas angústias e frustrações; bêbada eu desafogava minhas mágoas, tornava-me forte, soltava o verbo, magoando e amedrontando meus seres queridos.

Portanto, concluo que meu problema básico é esse: o medo da regeição me levou a dizer sempre "sim", de tal modo que projetei uma falsa imagem de perfeição, e isto me incomodava tremendamente.

Mesmo parecendo aquela jovem sensata, calma e equilibrada (isso antes de entrar na garrafa), eu tive a minha primeira grande regeição aos 28 anos, quando o homem que eu pensei amar, dispensou-me abruptamente. Foi um golpe tão forte que levei dois anos para conseguir levantar.

Nessa época eu não bebia; quer dizer, bebia social e moderadamente. A partir daí virei boêmia, de tal forma que passei a beber todas as noites para ter coragem de sair e forçar a busca de distração.

Nunca mais me apeguei a ninguém. Passei a ver os homens como simples passatempo, fugindo sempre de relacionamentos que envolvessem sentimentos.

No fundo foi uma defesa para não sofrer outro nocaute. Só que isso não me satisfazia e o vazio eu tentava preencher com a bebida, aumentando, dia a dia, as doses, de tal forma que quando me procurei de verdade, me vi num fundo de copo, sem chances, nem forças de sair.

Veio a dor, o desespero, a desesperança, o sentimento de destruição e eu chorei minha impotência. O álcool vencia e eu não via saída.

Mas, como diz o título de um filme "Sempre resta uma esperança". E ela veio na forma humana, amiga, confidente, solidária de AA.

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NA: Frequentei um ano os Alcóolicos Anônimos e tive uma recaída, que durou de janeiro a março de 2006.

Giustina
Enviado por Giustina em 20/09/2009
Reeditado em 14/02/2014
Código do texto: T1820349
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