VIVER É PERDER AMIGOS

Itamaury Teles (*)

Embora seja a ocorrência mais certa em nossa vida – ou ao final dela – costumamos tratar da morte como algo anormal e até mesmo evitamos dela falar.

Ultimamente, tenho perdido tantos amigos em virtude dessa causa natural que ando meio preocupado com a minha sorte. Para os mais chegados, tenho confidenciado – batendo na madeira três vezes – que ando temendo, aos 54 anos, estar mais pra lá que pra cá.

É verdade que sempre tive amigos bem mais velhos que eu e, talvez por isso, venho percebendo que o resultado da minha contabilidade, nos últimos anos, tem sido deficitária.

Perdi, por exemplo, dois amigos centenários: o Neco Martins, com 104 anos, e o Olyntho da Silveira, beirando os 100... Em ambos os casos, fiquei muito sentido, principalmente por se tratarem de exemplos de cidadãos probos e respeitados em nossa região, cada qual em seu meio. E, por que não dizer, por haverem sempre demonstrado a amizade sincera que a mim dedicavam. Aprendi muito com eles e sou-lhes eternamente grato pelo aprendizado.

Na semana passada, outro grande amigo resolveu nos deixar. Falo do Marcelo Mameluque Mota, do alto dos seus 87 anos bem vividos. Para mim, ele era o 4-AGB e eu era para ele o 4-ITO. Para os não iniciados nos meandros do radioamadorismo, essa mistura de número e letras fazia parte do nosso prefixo nas ondas do rádio. Parte porque o prefixo integral era PY4-AGB para ele e PY4-ITO para mim. Mais recentemente, todavia, ele conseguiu alteração do seu prefixo para PY4-MMM (suas iniciais), que dizia 4 Mike, Mike, Mike... Mas o 4-AGB ficou como um estigma a pairar sobre o novo indicativo de chamada.

E, de Montes Claros, Marcelo, com sua voz tonitruante, soltava o verbo, divulgando as coisas da nossa terra e da nossa região, para o Brasil e para o mundo. Foi radioamador por mais de 50 anos e era um dos mais conhecidos radioamadores brasileiros. Quando ouvíamos o “América, Guatemala, Brasil” sabíamos que seríamos bem recebidos em qualquer situação. Ele sempre nos atendia com alegria no coração, falando da sua dedicada esposa Maria, dos filhos Athos, Aramis, Silvana e Soraia. Todos nós sabíamos quando o Marcelo participava da reunião do Tribunal Marítimo, em Pirapora, e o que ocorria na sua casa e na vida de seus filhos. O crescimento profissional de cada um. O Athos e o Aramis, buscando dias melhores nos Estados Unidos, falando com o pai pelo rádio, em “20 metros”, todos os dias. A Silvana trabalhando em uma empresa de turismo em Belo Horizonte. A caçula Soraia estudando odontologia, em Diamantina. Ele sempre tratou seus colegas radioamadores como irmãos. No sentido mais puro e nobre do termo. Por isso, escancarava sua vida íntima.

Quando morei em Brasília, tínhamos um encontro diário no rádio, após o Jornal Nacional. Era a Rodada de Integração do Norte de Minas, que varava madrugada, e da qual participavam o Marcelo Mameluque, o Ney Athayde, o Danilo Alves da Costa e o Hélio Lessa, em Montes Claros; o “Monsenhor” Advirges, em Brasília de Minas; o Jurandir Bastos, em Mirabela; o Ítalo Teles, em Porteirinha; o Inaldo Pacheco e o Manassés Carneiro, em Januária; e o Arildo Gonçalves, em Pirapora. Só eu morava fora do Estado, e ainda tinha o prefixo PT2-ITO, do Distrito Federal. Marcelo, como o decano da turma, comandava a rodada...

Quando mudei de Brasília para Montes Claros, em fevereiro de 1986, fiz toda a viagem com o apoio do Marcelo Mameluque, pois tinha o equipamento de radioamador no meu carro. Ele, em contato com a Polícia Rodoviária, passou-me, pelo rádio, toda a situação da estrada e, principalmente, da ponte sobre o rio das Velhas, sempre com problemas estruturais, e na época interditada. Por causa do seu aviso, resolvi seguir até o trevo de Curvelo e vir para Montes Claros, em segurança, com a família.

Sempre que podia, visitava o amigo em sua residência no Bairro São José, para um dedo de prosa. Não posso me esquecer do seu valioso apoio, quando fui, muito jovem ainda, gerente do Banco do Brasil em Montes Claros. Indicou-me muitos e bons clientes.

Marcelo , como amigo sincero que era, foi presença constante em momentos importantes da minha vida: nas minhas promoções funcionais, nas conquistas acadêmicas, nos lançamentos dos meus livros, na minha posse na Academia Montes-clarense de Letras e tantas outras oportunidades. Várias fotografias e telegramas, do meu acervo pessoal, remanescem como prova inconteste dessa amizade sincera e fraternal.

Por tudo isso – e como seu irmão de fé – também estou de luto.

Até “novos cruzares de antenas”, amigo. Descanse em paz, com a certeza do dever cumprido.

(*) Jornalista e escritor

e-mail: itamaury@hotmail.com

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 19/09/2009
Código do texto: T1820005
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