A Dentadura do Sugismundo
Ela chegou naquela vendinha para pedir uma informação. O dono rapidamente respondeu:
_Ah, o Sugismundo, eu conheço. Todos o conhecem.
_ Não, o senhor não entendeu direito. O nome dele é Sgismundo, o que faz chapa.
_ Sim, é esse mesmo. Siga pela rua da feira e depois vire à esquerda. A casa dele fica em frente a um posto de saúde. É toda amarela. Uma mansão.
Já que o homem era tão conhecido, pensou: Deve ser um bom profissional. Seguindo ao pé da letra a informação recebida , conseguiu chegar à casa do homem. Casa não, casarão. Muita gente já estava à espera. Pelo visto não ia sair dali nem tão cedo. Deveria ser a 34ª, isso se não houvesse os engraçadinhos que atravessavam na frente. Teria de ficar de olhos bem abertos.
O portão foi aberto às 9 horas, e houve um pequeno tumulto. Resultado: ficou com a ficha 40. Naquela garagem abafada, com gente de todas as cores, formas e cheiro, sabia que quando o sol esquentasse, ia ser um Deus nos acuda. Cruzou as mãos sobre o colo e ficou a ouvir conversa de algumas pessoas. Afinal quem escapa dos que sentem prazer em relatar em voz alta suas mazelas e até detalhes da vida íntima? Há até os exibidos, os pabulosos, os metidos a brabo, e assim por diante.
Olhando ao redor percebeu adolescentes, jovens, adultos, e velhos. Havia gente boa de cabeça e gente biscoitada. Havia gente até dos cafundós dos Judas. Gente banguela é que não falta nesse país, pensou com seus botões. Ainda bem que não era a única. Na sua época de moça, isso é, há cinquenta anos atrás, pobre só tinha direito a extrair dente. Depois em época das eleições ia atrás dos candidatos, e em troca de votos, ganhava uma dentadura. Havia até a moda do friso ou dente de ouro ou prata. Cada um mostrava sua dentadura com a marca de luxo. Era sinal de que estava na moda. Moda... Infelizmente não teve escolha, bem que adiava o momento de cada extração, afinal dente cariado na boca não era algo que tinha orgulho, mas não podia lutar contra os ventos.
Lembrava os momentos que saia de madrugada, andava uns três quilômetros, pra chegar a um posto médico. Tinha que madrugar, pois havia uma quantidade de ficha para ser distribuída. Eram dez fichas pela manhã, e dez para tarde. Quem ficasse de fora, perdia a viagem, e voltava pra casa com as mãos abanando, ou melhor, sem um dente faltando. A multidão só não era maior porque muita gente tinha medo da agulha grossa que quando entrava na carne até rangia. Muitas vezes nem pegava anestesia e o dentista arrancava assim mesmo, e o berro que se ouvia era ensurdecedor. Ela descobriu o nome de uma pomada anestésica, e mesma proibida, colocava na gengiva, e quando entrava no consultório não sentia o agulhão entrando.
Mas voltemos à casa do profissional Sgismundo. Lá fora o sol subia deixando o ambiente mais quente. Um ventilador velho matraqueava, soltando seu ar doentio, vento que não esfriava nada. Mas a fila diminuía, sua vez estava chegando.
Entrou. Deu os seus dados, tirou a medida da boca, para a época das eleições prometeu arrumar mais votos, pagou o preço pedido... Preço popular, claro. Afinal, o homem trabalhava para o povo. Perguntou pelo dia da entrega, e saiu daquele forno aliviada. Tinha conseguido sua chapa, ou melhor, sua dentadura.
Riu consigo mesma. Todos estranhavam a forma que se referia aos dentes artificiais, é que desde pequena seus pais que também usavam dentadura, só chamavam os benditos dentes risonhos de chapa, e assim acostumou-se com esse jeitinho dos anos 50 e 60. Chapa, dentadura, que importa o nome? O importante é que embelezava a boca, e ajudava a mastigar os alimentos.
Os quinze dias passaram, e ela chegou bem cedinho. Tinha pressa em sair dali, pois precisava ir à procura de emprego. Decepcionada descobriu que teria de esperar os desdentados novatos tirarem os moldes, pra depois ser atendida. Ficaria pra tarde. Fazer o quê? Andar pela redondeza não poderia, pois o lugar não tinha nada do que se ver. Nem mercado, nem banca de revista, nem farmácia, nem posto de gasolina, nem praça, nem livraria, etc. Esgoto a céu aberto, ruas sujas e muito cachorro perebento é que podia ser visto de palmo em palmo.
À tarde, por volta das quinze horas foi chamada. Apresentou seu comprovante dos cinqüenta por cento que lhe foi pedido, pagou o restante, e pra seu espanto ouviu o tal Sgismundo mostrando- lhe uma caixa cheia de dentadura para que ela experimentasse. Como um robô começou a colocar uma por uma na boca, e depois de perder as contas de quantas experimentou, descobriu a sua.
Saiu dali como se um vento lhe tivesse sugado toda sua força. Chegando ao seu quixó contou para a família o que tinha se passado, pra só depois colocar os bofes pra fora. Foi aí que entendeu o porquê do nome trocado. O profissional era realmente um sugismundo.