Noite de S.João:rememórias...
Fui mocinha tímida,mas sem dizer "não" para a vida,obedecendo às lições de minha doce e alegre mãe.Saímos de Juiz de fora,nos Anos Sessenta,para ir morar em Bicas do Meio,perto de itajubá.Aquela cidade hoje recebe o nome de "Wenceslau Brás".
Morava lá e estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus.para as festas juninas(esticadas com as julinas,de férias),ensaiávamos quadrilhas tosdas as noites,ali,ao pé da Serra da Mantiqueira,num frio tão intenso que somente o calor dos passos,a música animada e as mãos quentes podiam amenizar.
havia a tradição de um concurso de "Rainha do São João".Não lembro quem me inscreveu,se papai ou mamãe-e para meu horror,tinha de vender...votos...Ave Maria!Oferecia-os a uns poucos colegas de meu pai,para os jogadores de meu time de vôlei...
Lembro do vestido:todos cheio de rendinhas nos babados,em flanela,para que suportasse a friagem intensa.
As meninas do lugar,olhavam-me meio ressabiadas,embora fôsemos colegas.Afinal,eu era de fora,elas,nativas.
Espiões iam e vinham anunciando:fulana já vendeu "x" votos","beltrana,tem tantos para vender".Ai de mim...
De repente,uma fila:os moços do lugar se ofereceram para comprar votos da menina magrinha e de olhos arregalados,cabelos grandes...Em troca,dançasse com eles.
Dancei até os pés doerem.
No final,o pai de um "prometido",e meu pai,arremataram os votos que faltavam.ganhei disparadamente.A renda,se não me engano,seria para a decantada "torre da igreja"-a mesma para a qual o padre novato fazia leilões de gado doado pelos fazendeiros locais...para depois,fugir com o jeep comprado e o dinheiro...
Depois,marcaram a coroação.
Fui vestida de rainha:toda de salmon,vestido finíssimo,de três babados e rosa grande na cintura,onde uma faixa de cetim pregueado marcava o exíguo círculo que dividia meu corpo.Para agasalhar,achamos um chale róseo,no mesmo tom...
Cabelos repuxados em coque,laquê parasegurar,batom,saltinho alto,recebi acoroa e novamente dancei e dancei...para ser coroada,nada de vestido caipira e sim,de gala.Luvas e tudo mais!
Bons tempos...Hoje,24 de junho,dia do S.João de cabelos cacheados e carneirinhos para simbolizar pastoral e doçura.Lembro que já fui rainha...Lembro da mão trêmula do moço nissei,tremendo porque dizia me amar,do olhar felino amarelo do que era ciumento,da altura e nariz aquilino do fazendeiro descendende de italianos,dos muitos outros com quem dansei,até do "pé de valsa do lugar",Raimundo,que amava minha amiga Gina,que se casou com outro...Como no poemeto de Drummond:
Quadrilha
“João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”
Uma vez,ganhei o livro "Poesia até agora",de Carlos de Drummond de Andrade,de um juíz,cunhado de minha colega...Ao ler esses versos,fiquei muito intrigada,pois novinha e romântica,pensava que os pares se escolhiam,casavam-se e seriam "felizes para sempre".Muitos anos depois,na Gazeta Comercial,contei a história de como esse livro entrou em minha vida,na minha página de letras & artes,fiz a resenha e a enviei para o Carlos.Até hoje tenho seu bilhete,agradecendo,com a letra miúda dos que são grandes,mas humildes...No seu centenário,dei inúmeras palestras,apresntando o homem e o poeta...A vida, aprendi,é mesmo uma quadrilha...
Belo Horizonte,24/06/06
Publicado por clevane pessoa de araújo em 24/06/2006 às 20h41
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Copyright© 2005 by ClevanePessoa. Todos os direitos reservados.Criado e hospedado por Recanto das LetrasPágina atualizada em 24.06.06 23:37
Fui mocinha tímida,mas sem dizer "não" para a vida,obedecendo às lições de minha doce e alegre mãe.Saímos de Juiz de fora,nos Anos Sessenta,para ir morar em Bicas do Meio,perto de itajubá.Aquela cidade hoje recebe o nome de "Wenceslau Brás".
Morava lá e estudava no Colégio Sagrado Coração de Jesus.para as festas juninas(esticadas com as julinas,de férias),ensaiávamos quadrilhas tosdas as noites,ali,ao pé da Serra da Mantiqueira,num frio tão intenso que somente o calor dos passos,a música animada e as mãos quentes podiam amenizar.
havia a tradição de um concurso de "Rainha do São João".Não lembro quem me inscreveu,se papai ou mamãe-e para meu horror,tinha de vender...votos...Ave Maria!Oferecia-os a uns poucos colegas de meu pai,para os jogadores de meu time de vôlei...
Lembro do vestido:todos cheio de rendinhas nos babados,em flanela,para que suportasse a friagem intensa.
As meninas do lugar,olhavam-me meio ressabiadas,embora fôsemos colegas.Afinal,eu era de fora,elas,nativas.
Espiões iam e vinham anunciando:fulana já vendeu "x" votos","beltrana,tem tantos para vender".Ai de mim...
De repente,uma fila:os moços do lugar se ofereceram para comprar votos da menina magrinha e de olhos arregalados,cabelos grandes...Em troca,dançasse com eles.
Dancei até os pés doerem.
No final,o pai de um "prometido",e meu pai,arremataram os votos que faltavam.ganhei disparadamente.A renda,se não me engano,seria para a decantada "torre da igreja"-a mesma para a qual o padre novato fazia leilões de gado doado pelos fazendeiros locais...para depois,fugir com o jeep comprado e o dinheiro...
Depois,marcaram a coroação.
Fui vestida de rainha:toda de salmon,vestido finíssimo,de três babados e rosa grande na cintura,onde uma faixa de cetim pregueado marcava o exíguo círculo que dividia meu corpo.Para agasalhar,achamos um chale róseo,no mesmo tom...
Cabelos repuxados em coque,laquê parasegurar,batom,saltinho alto,recebi acoroa e novamente dancei e dancei...para ser coroada,nada de vestido caipira e sim,de gala.Luvas e tudo mais!
Bons tempos...Hoje,24 de junho,dia do S.João de cabelos cacheados e carneirinhos para simbolizar pastoral e doçura.Lembro que já fui rainha...Lembro da mão trêmula do moço nissei,tremendo porque dizia me amar,do olhar felino amarelo do que era ciumento,da altura e nariz aquilino do fazendeiro descendende de italianos,dos muitos outros com quem dansei,até do "pé de valsa do lugar",Raimundo,que amava minha amiga Gina,que se casou com outro...Como no poemeto de Drummond:
Quadrilha
“João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.”
Uma vez,ganhei o livro "Poesia até agora",de Carlos de Drummond de Andrade,de um juíz,cunhado de minha colega...Ao ler esses versos,fiquei muito intrigada,pois novinha e romântica,pensava que os pares se escolhiam,casavam-se e seriam "felizes para sempre".Muitos anos depois,na Gazeta Comercial,contei a história de como esse livro entrou em minha vida,na minha página de letras & artes,fiz a resenha e a enviei para o Carlos.Até hoje tenho seu bilhete,agradecendo,com a letra miúda dos que são grandes,mas humildes...No seu centenário,dei inúmeras palestras,apresntando o homem e o poeta...A vida, aprendi,é mesmo uma quadrilha...
Belo Horizonte,24/06/06
Publicado por clevane pessoa de araújo em 24/06/2006 às 20h41
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