Cosendo da vida pedaços...

Cosendo da vida pedaços...

Tinha mania de colecionar. Guardava tudo. Caixas vazias, ingressos usados, ticket de passagens seja de que transporte fossem, canetas sem tinta, pequenos vidros vazios, aquilo que para a maioria das pessoas parecia estranho, lhe era normal. Uma certa época colecionava conchinhas da praia, noutra sementes que achava diferente, houve um tempo que colecionou pequenos, pequeníssimos pedaços de tecidos que cortava em quadradinhos do mesmo tamanho, de cores e estampas diversas, e punha numa cesta de vime. Fez isso por meses, ao fim de um período alinhavou um ao outro, depois coseu cuidadosamente, passou dias assim, noites enfim. E uma imensa e colorida colcha de retalhos apareceu, que lavou , perfumou com saches embrulhou e deu de presente a uma amiga. O maior prazer estava no juntar, construir pouco a pouco, observar cada peça que integrava o conjunto. Era uma mulher cuja a vida tinha presenteado, mas ela não tinha a capacidade de perceber, divisava muito pouco, via bem, mas não enxergava além do que os olhos vêem.

Passaram-se muitos anos e hoje guarda consigo um rol de fios de prata nos cabelos, na face marcas que denunciam ao espelho: Nada é incólume ao tempo. Talvez sejam as únicas percepções que a levam ao concluir desse transpor, no mais continua coligindo quimeras.

Imagino que viva um construir material, quando na verdade sonha com afetos preenchendo seus armários, amores avultados em gavetas que exalem e derramem ao serem abertas. Cama desfeita com presenças concretas meio aos lençóis, realidade e fantasia.Utopia.

Entende-se com a paciência que assola suas quase descartadas expectativas. Mas não consegue estar bem se não houver algo a que cumular. Em alguns dias na sua assombrosa solidão, espalha todas as suas mil caixinhas por sobre a cama, os conteúdos em muito embolorados, papéis velhos, amarelados, pétalas de flores secas, um infindar de coisinhas aparentemente sem sentido, pequenas miudezas e delicadezas que para ela tem tamanha importância. Dia desses surpreendeu-me saber que anda enfiando um infindar de contas numa fina e delicada linha de seda, arte por demais trabalhosa, que faz com agulha onde fura as contas microscópicas de uma semente bem miudinha num fragilíssimo fio, um trabalho árduo, suas mãos em especial os dedos estão bem machucados, algumas sementes já guardam marcas de sangue, dos furos que por vezes, inumeráveis vezes chegam dolorosamente aos seus dedos. Quase que diariamente compõe o longo torçal,um crescer milimétrico que sequer consegue aparentar algum avanço.Mas percebo que é essa conclusão que se demora, e também a possibilidade do não saber, do perder-se ao caminho, sequer intuir do feito acabado que torna a vida possível.

Faz encontrar um pequeno gosto pelos dias que nascem em meio ao vazio.

Não há fim que seja provável, há uma tênue linha que separa o esperar infindo, de alguma perspectiva de esperança.

E ela segue, cosendo seus dias.

Roseane Namastê
Enviado por Roseane Namastê em 18/09/2009
Código do texto: T1817212
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