Confortável

Hoje me dei conta de quão confortável me sinto com relação a tudo.

Sou uma mulher de quarenta anos, hoje não há mais constrangimento em comprar absorventes em farmácias ou supermercados como quando eu tinha 13 anos. Hoje eu até bato papo com o garoto da farmácia perguntando sobre marcas e se ele já possui algum modelo de coletor menstrual, se alguém fica rubro com a situação é ele, se é que ele fica, quanto a mim, sou a pessoa mais confortável do mundo, é extremamente honroso saber que ainda menstruo e que os hormônios ainda não estão a me destruir os nervos.

Eu moro sozinha e caminho livremente nua pelo apartamento e as vezes até me esqueço de uma ou outra janela aberta, na verdade até faço questão de esquecer, afinal não é toda mulher que pode se dar ao luxo de chegar aos 40 sem um pingo de barriga, com uma silhueta bonita, cintura fina, quadril largo... Se me sinto confortável com isso? Me sinto confortabílissima! Incomodada eu ficava com aquela marquinha de uma pequena estria que parecia querer sair quando tinha 22 anos e era obcecada com celulites e mil baboseiras, que sequer tinha coragem de usar um biquini mais ousado na praia. Ah, hoje me dou ao luxo de viver e me sentir viva.

Eu tenho um trabalho razoável, mas que me agrada em muito, faço o que gosto e faço com excelência, enquanto assisto as estagiárias entrando e temendo por toda uma vida serem felizes, arriscarem e se progetarem no trabalho. Ah... eu me esparramo de ser satisfeita assim.

Eu faço sexo com entrega, sem vergonha de sentir ou de não sentir orgasmo e se não sinto eu digo. A essas alturas do campeonato eu fingir pra quê?! Pra quem?! Eu sinto prazer, estou viva.

Eu falo sem pudores da vida e de sua ordinariedade, do quão gostosas e aprazíveis são as coisas medíocres, entenda por medíocre o que a palavra significa mesmo, sem tom pejorativo, apenas algo mediano, comum.

E o que há de errado com as coisas comuns? As pessoas tem um mania de quererem ser mais do que são efetivamente de buscarem o que obviamente sequer cabe em si.

Ei, coisa fofa, você não vai se deitar numa clínica de SPA e acordar no dia seguinte com o maridão vindo lhe buscar de helicoptero comunicando que ganhou na Mega Sena e que ele agora é um clone do George Clooney, melhor! você agora é solteira e namora o bonitão ai, e você nunca mais terá que trabalhar, que seus filhos se autocriarão, que nada do que você comer na vida, não importa a quantidade engordará, que nunca mais sentirá dores ou enfermidades, que você não vai mais sentir ressecada e sequer precisará defecar, que todas as imperfeições que você acredita ter desaparecerão num toque de mágicas, álias você rejuvenescerá e voltará aos 24 anos de idade e todos esses devaneios imagináveis e inimagináveis que essa sua cabeça insana pode projetar até entender que não se precisa disso pra ser feliz.

Eu já acordei disso tudo. E me sinto assim confortável!

Aliás a única coisa que não me deixa nada confortável é o meu namorado.

Ele implica com essa minha liberdade, com a falta de pudores, porque eu não tou nem um pouco me lixando pro conservadorismo da mãe dele, ou mesmo dos filhos dele.

Ele se chateia quando o filho mais moço fica admirando o meu corpo num vestidinho curto e diz que não tenho mais idade... Veja lá se eu não tenho mais idade de me gostar!?

Não posso ter amigos homens que ele logo acha que vão comer, porque ele já não consegue isso sempre...

Implica também com minha independência e com o fato de que eu acreditar que vivo melhor em meu canto que ao lado dele. Ah, como os homens estão mal acostumados com aquelas mulheres passivas e submissas que eram as suas mães, ou que eles acreditam que elas eram, qual seja, não sou eu!

E apesar de ele ser como um belo corpete preto, bem acinturado e que faz se sentir bela e desejada, sexy e atrante... Ai, como ele é justo. Aperta demais!

Quer saber? Uma mulher de quarenta, ou de qualquer idade, pode sempre começar de novo.

Vou ficar pelada, me desnudar do que só vive porque esquecemos de jogar as cinzas no mar do esquecimento, vou me abrir a um novo amor, um que me deixe mais livre e mais solta, confortável, acho que o amor-próprio tá bom pra começar.

Ingrid Fernandes
Enviado por Ingrid Fernandes em 18/09/2009
Código do texto: T1817058
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