CIDADE E ROÇA

Bate papo animado entre dois senhores da terceira idade, ouvido por este escrevinhador de cenas do cotidiano, no interior do ônibus 9801, sentido bairro centro, manhã duma terça-feira ensolarada em Belô:-

“- É o que digo ao senhor, não sabe? Esse povo da cidade acha que a vida na roça é moleza! Não sabe o que é pegar água do córrego todo dia, pra cozinhar e tomar banho; não sabe o que é buscar lenha no mato, pra fazer o fogo; não sabe o que é trabalhar de madrugadinha até o entardecer, na enxada, às vezes até sem comer direito e sem receber o cobre no final do mês; não sabe o que é semear, plantar e ficar dependendo do tempo, sol e chuva, pra poder colher mais tarde (isso, sem falar nas pragas da lavoura ...) !”

“- O pessoal daqui da cidade leva vida boa, sô! Tem salário mínimo, tem vale-transporte, tem cesta básica, férias, décimo terceiro, seguro-desemprego e licença maternidade. O governo oferece ainda bolsa escola, vale gás, posto de saúde, farmácia popular, etc. ... Às vezes o sujeito não quer nem emprego com carteira assinada, prefere engraxar sapatos na rua, dar uma de “flanelinha”, tomando conta dos carros, ou se virar como camelô. Dá mais que o salário mínimo, no fim do mês! ...”

“- Quando eu era menino na roça, meu sonho era vir pra cidade e ser zelador de prédio bacana. Ou então ser ascensorista de elevador em edifício alto! ... Mas o velho precisava da minha ajuda na lavoura, mais braços no roçado, na plantação. Fui ficando.”

“- Eu sei como é. Comigo foi assim, mas eu briguei com o velho e vim de lá na marra pra capital. Cheguei com a cara e a coragem, dormi nos bancos do Parque Municipal, catei papelão e ferro velho, latinha de cerveja pra vender. Depois arranjei um lugar de auxiliar num ferro-velho dum homem bom de coração, Seu Eduardo, que me ajudou muito. Eu dormia lá mesmo num quartinho e ainda vigiava o local, sabe? Trabalhei duro, economizei cada centavo e mais tarde comprei um lote no Eldorado, onde construí um barracãozinho.”

“- Você foi corajoso, amigo! Eu fiquei com o meu velho na roça, ajudando, até que seu coração baqueou e a morte veio buscá-lo. Aí não quis mais saber de mato e vim pra capital. Fui morar com um tio meu, que me arranjou emprego na sua oficina mecânica e me ensinou o ofício. Mais tarde, aprendi a guiar e fui ser motorista de ônibus. Ralei muito e fui até da “Cometa”, muitos anos, até me aposentar. Agora tou aí, viúvo, curtindo netos e vendo a banda passar. Ah, eu vou descer no próximo ponto! Prazer em conhecê-lo e boa sorte, amigo! ...”

“- Da mesma forma, conterrâneo! Felicidades e vai com Deus! ...”

Desci também no mesmo ponto e mirei, pensativo, os dois personagens:- o que seguia no ônibus, só Deus sabe dizer pra onde, e o outro que embicou pela Rua São Paulo em direção ao centro. Será que, algum dia, os seus caminhos se cruzarão de novo? ... De qualquer maneira, num curto espaço de tempo esses dois brasileiros anônimos se conheceram e deram o seu recado, cuja mensagem agora eu divulgo:- a força da luta, da fé e da esperança! Brasileiro, teu sobrenome é ESPERANÇA! ...

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RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 17/09/2009
Reeditado em 20/03/2011
Código do texto: T1815543
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