Doenças
Muitas circunstâncias o importunavam naquela manhã. Sensações ruins, exaustão, doenças que já se acostumara. Doenças que o perseguiram por toda sua mera bucólica vida. Dês das doenças mais comuns, como suas alergias, tosses, irritações, dores corporais, -conseqüências de sua vida boêmia- até seus transtornos mais profundos, que variavam de sua simples insônia, até suas insanidades mentais.
Doenças, meras doenças que o perseguiam, às vezes até agradáveis, como sua insônia, que o mantinha acordado de noites à manhãs, lendo, escrevendo, e vivendo experiências noturnas, as vezes, com sorte, até febris.
Eram tão inconvenientes como sua própria sombra, quando as perseguia, elas se afastavam, quando fugia, elas o perseguiam.
Era um pequeno e divertido jogo que o afastava do tédio.
Seus transtornos que tanto apreciava, dês da instabilidade de sua bipolaridade, que muito agradável, mesmo em histeria inconseqüente, mesmo em melancolia suicida, até as paranóias que o faziam delirar em hipóteses tão absurdas, as quais adorava retratar em suas obras.
Havia também seus transtornos emocionais, diferente de suas confusões mentais, não eram diversão, -não deixando de ser prazer- mas sim uma responsabilidade, uma sina, um bom motivo para se manter vivo nesse caos que era sua existência.
Suas melancolias melodramáticas que eram seus amores platônicos; sua necessidade de gestos sutis, que eram sua carência; seu pensamento profundo nas mais soturnas noites, que eram sua solidão; a intensidade, os gestos atenciosos e a atenção que eram seus romances -que maioria das vezes, duravam apenas uma noite, infelizmente-
Um cotidiano intenso, cheio de alegorias, melancolias, e diversidades. Alguns chegavam a considerar a hipótese de que este tinha múltiplas personalidades. Hipótese mais insana que a personagem a qual retrato aqui. Não era composto de várias personalidades, mas sim de várias personagens!
Um cotidiano intenso, nem sempre no bom sentido da palavra. Pois sua intensidade variava de uma intensidade fria, praticamente sólida, uma intensidade tépida, quase justa e equilibrada, e uma intensidade febril, na qual todas situações eram possibilidades, e todas idéias fluíam em velocidade imperceptível.
Era exaustivo variar tanto sua condição comum. Uma vida que não escolhera, e que por mais que gostasse em um deleite um tanto bizarro, era desgastante. Existiam os momentos que esta infame personagem apenas desejava um pouco de harmonia -algo que, para este, era uma utopia- em seu tão instável cotidiano. Nestes momentos de exaustão -tanto emocional, quanto mental, quanto física, diante de seus hábitos desgastantes- chegava, por poucos momentos, a se tornar inerte.
Chegava a ser desumano o desrespeito que tinha por seu corpo. Era praticamente um masoquista a torturar a si mesmo com suas próprias ferramentas de auto-flagelação. E por mais infame que fosse sua situação, até seu desgaste, em todas as formas possíveis, eram prazeres. Era, de fato, um masoquista.
Provável que este personagem forjasse suas doenças, seus transtornos, seus hábitos desgastantes e suas sinas emocionais com o propósito de se exaurir, ou talvez de apenas tentar ocupar todos minutos que o relógio o disponibilizava. Fuga, talvez. Mas do que este ser estava tanto a fugir?
Algo mais profundo do que todas suas forjas e circunstâncias não fora citado ainda. Mais soturno e miserável que o deleitar de suas situações de prazer comum, ou de seu prazer bizarro -pois para este, tanto a dor quanto o prazer comum, eram ambas situações para se deleitar- era o único sentimento que, de fato, o pungia. Aliás, não um sentimento, ou um transtorno, ou doença, ou decadência que fosse, mas sim a ausência de tudo isso.
Fuga, sim, provavelmente. Pois a única situação que o pungia, de forma tão cruel, a qual evitava ocupando seu tempo com produção artística, noites ébrias e obrigações ocasionais -inutilmente-, sempre se deparava com seu maior medo, sua maior agonia. O vazio.
Seu maior medo, sua maior agonia, sua tortura sem prazer. O vazio
Conflitava com este inevitável, inquestionável e incompreensível inimigo cotidianamente. Terrível tortura para este pobre ser. Era irrelevante ocupar seu tempo se entretendo com seus conflitos emocionais, produzindo suas tão prezadas obras, convivendo em sua sociedade hipócrita, se afastando da realidade em sua boemia decadente, pois sempre se deparava com o tão cruel conflito que era o de enfrentar o vazio dentro de si.
Um medo irracional talvez. Mais um motivo para ser chamado de louco por todos aqueles que não compreendiam sua insólita lucidez -ou seja, todos, de fato-Mas era inevitável entrar em conflito com este espectro negro em seu ser. Esta doença mor que se alimentava de seus muitos vícios e poucas virtudes.
Um parasita, que subtraía de si, um pouco de sua humanidade, diariamente. Um processo que o tornava cada vez mais atroz. Situação que somente viria a cessar no momento de sua libertação final.
Mas era, de forma realmente macabra, interessante fazer parte deste logo, pois, de fato, não era uma realidade tediosa.