PORTA-MALAS

Férias de final de ano. Você se prepara para viajar com a sua mulher e se depara – invariavelmente – com um caminhão de bagagens. Não adianta, não vai entrar no porta-malas. Dá para ver de longe. Quando sua senhora começa a descer com as tranqueiras você já sabe, a 30 metros de distância do carro, que não caberá no porta-malas. Só a mala “principal”, daquelas que precisam de rodinhas de tão pesada, ocupa 2/3 do espaço. Engraçado que ela a comprou para que não precisasse levar mais nada. Doce ilusão. E o resto ainda está por vir.

– O que tem nessa mochila verde?

– Sapatos.

– E nessa azul aí?

– Meus cosméticos.

– Cosmét… Uma mochila só pra… Tudo bem? E na vermelha?

– Biquínis, os de cortininha. Os outros estão na amarela.

É mole? Sem contar os remédios. E ela ainda fala: “Nunca se sabe. Vai que acontece alguma coisa, querido?”. Ainda se fosse só um aspirinazinha, mas, não!, quando você abre… como se chama mesmo? – ah, sim, a frasqueira, parece confete. Tem pílula para dor de cabeça, dor de barriga, sinusite, diarréia, dor de ouvido, dor de dente, cólica, constipação…

- O que é constipação?

- Coriza.

- Ah!

… Gastrite, azia e – pensando nas parcas cinco caixas de cerveja que você está levando, e que ocupam um pequeno e recôndito canto no fundo do porta-malas – ela sempre deixa ao alcance aquele remedinho especial para ressaca. Exagerada!

- Sei muito bem o que vai acontecer no Reveillon!

- O quê? Agora fala, o que vai acontecer?

- É sempre a mesma coisa: a gente planeja um momento romântico, à beira mar, e você enche a cara.

- Você ainda tá pensando nisso? Mas são apenas algumas latinhas de cerveja, meu Deus do céu!

- Ah é?! Pois são apenas alguns biquínis, meu Deus do céu!

Resultado: para evitar briga, são subtraídas uma das caixas de cerveja e a mochila amarela do montante das bagagens.

- Tá quase, querido.

- O quê?

- A tampa do porta-malas, tá quase fechando.

- Quer uma ajuda?

- Quero sim, senta em cima.

- Em cima da onde?

- Da tampa.

- Enlouqueceu, vai amassar.

- Vai nada. Senta aí.

- Não vou sentar coisa nenhuma. Você não entende de carro. Vai amassar.

- Tá querendo dizer que só porque sou mulher não entendo de carro.

- Não foi isso… O que eu quis…

- Eu sei bem o que você quis dizer. Pois, quer saber de uma coisa, se eu não entendo de carros, você não entende nada de biquínis. A mochila amarela volta pro porta-malas.

Depois de colocado tudo (”tudo” é uma palavra que define bem o que é levado em uma viagem nestas circunstâncias) dentro do porta-malas, eles se preparam para encarar a estrada.

- Pegou a água, querida?

- Peguei.

- E as cadeiras de praia?

- Também.

- Guarda-sol?

- Sim.

- E o isopor?

- Não. Precisava?

- Você não pegou o isopor? E como é que nós vamos levar a cerveja para a praia?

- Ah tá, era só o que me faltava agora! Tirar férias pra ficar “farofando” na areia. Quer preparar um frango também? Além do mais, não cabia mais nada no porta-malas.

- Claro que não ia caber mesmo. Com a quantidade de frascos de perfume, potes de creme, bisnagas e pomadas que tem lá dentro, jamais iria caber o isopor. Sem contar as mochilas coloridas que, juntas, devem somar as cores do arco-íris.

- Não seja ridículo!

- Ridículo?! Eu?! Você já olhou pelo retrovisor, por acaso?

- Não. Você está vendo alguma coisa pelo retrovisor?

- Pelo contrário, não vejo nada. Tem tralha até o teto do carro. Quantos cobertores você trouxe?

- Três.

- Minha filha, nós estamos indo para a praia… Verão, 40ºC à sombra!

- Não me chama de “minha filha” que você sabe que eu não gosto.

- Você só não gosta porque a minha mãe te chama assim.

- O que eu não gosto é do jeito que ela fala. Sarcástica.

- Talvez tenha algum remédio pra sarcasmo na sua mini-farmácia…

Agora, ruim mesmo é se fura o pneu. Não queira nem pensar. E sabe onde você encontrará o estepe se isso ocorrer? Isso mesmo: no porta-malas, embaixo de tudo.

- O que aconteceu?

- Furou o pneu.

- O quê?! Não acredito! Bom, pelo menos temos o estepe, né?

- É.

- E onde ele fica?

- Adivinha. No porta-malas.

- Ai, não! Vai dizer que teremos que tirar tudo lá de dentro?

- Tudo! Inclusive a mochila amarela.

- Mas que saco! Esquece a droga da mochila amarela. É tudo a mochila amarela agora. Aposto que você nem lembra mais o que tinha dentro da mochila amarela e fica aí falando.

- Claro que lembro. Não me lembro o que tinha na mochila roxa.

- Ah, vá, vá… Anda, vai logo trocar o pneu.

Está vendo? Caos! A probabilidade da viagem se tornar um caos completo é diretamente proporcional à quantidade de bagagens que se carrega. Pelo menos, neste caso, a estrada que eles pegaram tinha acostamento para trocar o pneu.

Tudo colocado novamente no porta-malas, eis que surge um novo problema: não sei por que, mas sempre sobra uma garrafa térmica que não foi possível ser encaixada de novo.

- Pra que você trouxe uma garrafa térmica?

- Pra tomar chimarrão, oras!

- Ué, desde quando você toma chimarrão?

- Se vamos para o Sul temos de nos adaptar à cultura local.

- Mas foi você mesmo que falou que “Estamos indo para a praia… Verão, quarenta graus à sombra!”.

- Olha aqui, não enche! Já basta ter me tirado uma caixa de cerveja. Agora vai implicar com a garrafa também?

- Certo, levamos ela lá dentro então. Fecha o porta-malas e vamos embora.

- Não fecha.

- O quê?

- O porta-malas. Não fecha.

- Como assim?

- Sei lá, ainda deve ter alguma coisa emperrando.

- Dá pra ver o que é?

- Não. Acho melhor tirar tudo e arrumar de novo…