SOBRE A TRISTEZA DO BICHO HOMEM - MAS TEM QUEM RIA
E eu que não me chamo José, o meu sonho não acabou, o meu mar não secou, achei a porta, só não vou pra Minas por que Drummond disse que Minas acabou . Daí... quem sou eu pra duvidar do finado poeta, né não?
Tem nada não, recebi convite de Montaigne para assistir uma palestra de Ovídio sobre a tristeza do bicho homem, só que Montaigne é frontalmente contrário a esse sentimento, e condena o homem por valorizá-lo e se enfeitar “com esse adorno pobre e feio”. Mas ai eu ponderei e disse para o coleguinha: espera lá! Não é por ai! Existe tristeza onde a dor é tão sofrida que fica além de qualquer expressão e ai não tem como não se adornar com ela, e tu sabes disso, está escrito nos teus Ensaios.
E fomos nós ouvir Ovídio, que começou falando de uma personagem da mitologia lembrada por Cícero, chamada Niobé , que os poetas descreviam como “petrificada na dor”, tamanha a sobrecarga de desventura por ela recebida, perdeu seus sete filhos viu morrer as sete filhas. Então, ele explicou o sentido que é dado ao “petrificada na dor, que corresponde a uma espécie de embrutecimento sombrio, surdo e mudo que se apodera de nós quando as ocorrências nos esmagam ultrapassando o que nos é dado suportar. E, efetivamente, uma dor excessiva, exatamente porque excessiva, deve estupidificar a alma a ponto de paralisar qualquer gesto, como acontece quando recebemos inesperadamente uma péssima notícia. Somos tomados de espanto, penetrados de pavor ou de aflição e tolhidos em nossos movimentos até que à prostração suceda o relaxamento. Surgem então as lágrimas e os lamentos que aliviam a alma e como que lhe permitem mover-se mais à vontade, é com dificuldade que afinal recupera a voz e pode exprimir sua dor.
Segundo Ovídio, esta é a forma do homem sentir e exprimir a sua dor, a sua tristeza.
E, como nada mais foi dito nem perguntado, deu-se por encerrada a palestra.
Saímos , eu e Montaigne por ai chutando pedrinhas, sem contudo deixarmos de pensar no bicho homem, pois em verdade, dizia meu companheiro, que este é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diverso. Dificilmente o julgaríamos de maneira decidida e uniforme. Enquanto um chora outro ri, enquanto um se diz triste outro se diz alegre, enquanto um mente outro diz a verdade, enquanto um ama outro desama, enquanto um vive outro morre.
...Para chegarmos à conclusão que assim são os homens, assim é a vida e sentenciar...
Sobre a vida, só nos resta vivê-la e suportá-la.
Quanto aos homens, que nos aturemos mutuamente.