Menino na Sexta série
Foi exatamente naquela tarde de Março que tudo começou a descortinar-se diante dos meus olhos. Não lembro a data com precisao, mas sei que era uma segunda feira chuvosa, de céu plúmbeo porém de temperatura amena, o que atrairia a qualquer garoto de doze anos a ficar em casa diante da televisao.
Não posso negar que como tal, desejei o mesmo a princípio, mas a insistência de minha avó e a saudade dos colegas me motivaram a vestir o uniforme guardado ha meses, calçar os tênis empoeirados e com toda a preguiça habitual da adolescencia, seguir a pé até o colégio para o primeiro dia de aula.
Hoje, já distante de ser um menino na sexta série, percebo o quanto são diferentes as prioridades nessa idade. A caminho do colégio eu só tinha na mente a TV e as partidas de futebol já marcadas para a semana seguinte no campinho da rua de trás.
Foi quando cheguei ao colégio que passava por reformas e começava a dar um ar até mais bonito à Rua Romeu Casa Grande, no subúrbio do Rio, próximo a minha residência. A imagem das escadas lotadas ainda é nítida como uma pintura, mas foi na sala de aula que minhas prioridades começaram a mudar e minhas perspectivas sofreram sua alterações primeiras, tudo rápida e simultaneamente a partir da entrada do professor de matemática que nao possuía um dos braços.
Ao saudar a todos com um " bom dia ", a turma agitada calou-se. Mostrando conhecimento e desenvoltura, limpando por vezes o apagador na sola dos sapatos, ele prendia a minha atenção para a aula e para si próprio.
Então de olhos bem abertos eu começava a aprender ; menos com a aula do que com o exemplo de vida que aquele senhor transmitia. Com todas as dificuldades que poderia enfrentar, ele simplesmente sonhou e com todo o esforço necessário, havia conquistado o que queria, estudado e superado os obstáculos.
Percebi naquele momento que precisava valorizar a educação e as oportunidades que recebia. Começava a surgir em mim então um sentimento de responsabilidade e revisão do que eu tinha priorizado até entao.
Saí dali com um outro olhar. Olhar proporcionado por aquele homem que sem um dos braços, havia abraçado seu mundo e mudado para sempre o que seria o primeiro dia de aula de um menino na sexta série.