20 IDEIA FIXA

Agora deu de andar, à toa e fora dos conformes, relembrando alguns rabos-de-saia com quem, nos dantes desta vida, tem cruzado caminho.

Tudo até aí, à primeira mordidela do mosquito azul, parece fato normal, dentro dos caçuás da naturalidade.

Mas não é normal, não. De jeito algum. Antes não lhe sobrava tempo, na várzea dos parafusos, para viver matutando miudezas assim. Hoje em dia, coitado do paraibano, que diacho de aperreio! O filão dos seus pensamentos corre caudaloso desde as clarinadas do acordar ao momento silencioso do adormecer, altas madrugadas.

Desta forma, diante da iminência de uma patologia cucal, a coisa vai-se complicando. E, então, aos emboléus, ele se vai arrastando pelos dias, mesmo que nem boi quando nota que está indo para a pedra do abate.

Não estará ele se acometendo do dianho da ideia fixa? Pois o velho mestre Machado não discorreu com bastante clareza sobre os efeitos pedregosos de um hiato psicológico da ideia fixa, daí já está Seu Joãozinho com água pelo pescoço.

Outro dia, instante em que tentava deglutir um versículo da Bíblia, ali nas aberturas do Apocalipse, sem mais nem mais ou menos, despontou-lhe à tabuleta da mente aquela misteriosa da piscina, lá de tempos atrás, a Ana Lídia.

Ana Lídia, vista de cima abaixo uma única vez, mais ainda lhe sorriu a ele como u’a fada. Visão esplendorosa de gente para além do faz-de-conta, e metida com as arrumações do encantamento.

Ontem, em petição de saudade, desbragadamente no gume da indigência, só não se rememora em que minuto vesperal, ferroou-lhe feito mangangá o vulto deveras teúdo de Berna, mulherona de cabelão de légua e tanto. Esta, sem lhe falar no tanto das ancas, foi a que botou um toró redemoinho nas pedras dos seus passos.

Também houve dias dedicados à moreneza de Hosana, ainda que uma noite só sob os lençóis. O trato macio da mulata em coisas de lidar com os apreciamentos de cama, seu espírito de renúncia às cifras, tudo nela educação carnal e empírica, aquilo tudo jamais se descascou das reminiscências do herói de Catolé do Rocha.

Se bem Seu Joãozinho Bilé se recorda, podem somar, foram tantas e demais, no passado longínquo!... Ah, o espaço de Maria Helena, uma desventurada criatura que pegou anemia profunda e ele ainda não decifrou se, por via, ela baixou ou não à piçarra. Esta uma, a Maria Helena, ao ar livre, matou do paraibano inúmeros luares. Tinha ela, por afeição própria, cama sempre às costas.

Hoje, no limbo da manhã, seu olhar derramou-se em cheio pelos desfiladeiros do califão de uma djim, estampa colossal de mulher. Uma dessas feminas que um mágico, muito perito, ao sacá-la do seu chapéu, ficaria besta, vendo os efeitos avantajados do lance. E na maior dúvida, se aquilo tudo era de verdade, ou – quem sabe – não.

Pois foi. Hoje, para Seu Joãozinho Bilé, deu-se foi assá e assim. Tanto o córtex da magia se lhe destampara em alumbramento.

(Janeiro de 1999)

Fort., 14/09/2009.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 14/09/2009
Reeditado em 02/03/2010
Código do texto: T1810663
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