RECEITAS DO MEU PAI

Comprei um abacaxi no “Sacolão” , grande, bonito e me lembrei do meu velho pai Constantino, sempre doido por frutas de todos os tipos. Do abacaxi ele aproveitava até as cascas, depositando-as num jarro com água fresca e deixando de molho por um ou dois dias, após o que retirava as cascas e coava o caldo, surgindo então uma bebida deliciosa que ele chamava de “aluá”. Pra não falar da pinha (fruta do conde) , do jambo, do araticum (cabeça de nego), do araçá, do cajá manga e da graviola, frutas comuns em Januária, norte de Minas, sua terra natal.

O velho Rêgo (a quem minha mãe chamava de “Baiano”) viveu uma infância deliciosa às margens do rio São Francisco, nadando e pescando em suas águas limpas, comendo muito surubim, bagre, traíra, pacu e curimatã. Saía pros matos à caça de passarinhos, juritis e até jacus, os quais davam paneladas de matar a fome dias seguidos.

Por volta dos dez anos veio pra Belo Horizonte e ingressou, como interno, no antigo Instituto João Pinheiro, onde fez escola, estudou música, aprendeu a tocar clarineta e saxofone e também a jogar futebol, fazendo seu nome junto à moçada.

Saiu de lá aos dezoito anos, foi para Pirapora trabalhar como alfaiate com o seu tio José Augusto, partiu para o Cedro (hoje Caetanópolis, minha terra), trabalhou na Cedro e Cachoeira (a fábrica de tecidos mais antiga do país, com mais de 120 anos de fundação e operando até hoje), tocou na famosa banda local, a premiada Euterpe Santa Luzia, jogou bola e fez seu nome crescer mais ainda como craque do Cedro Esporte Clube, tocou no coro da Igreja de Santo Antonio, conheceu, namorou e casou com a morena Flaviana, minha mãe, vindo pra capital seis anos depois pra trabalhar na Cia. Renascença Industrial, hoje extinta, onde os filhos se multiplicaram e ele consolidou sua família.

Meu pai tinha saudades dos seus tempos de menino levado em Januária e de rapaz em Pirapora. Volta e meia ele nos reunia no seu quarto, mormente em noites de chuva, e contava histórias, casos da sua vida de moço sonhador. Ouvíamos com grande atenção, maravilhados.

Junto à minha mãe, ele cismava de fazer as receitas do seu tempo:- um surubim em postas ensopado com abóbora moranga, um regalo de nos fazer babar de tão gostoso. Orientava Dona Flaviana a fazer um cuscuz, um beiju, um tutu de feijão com cachaça, um franguinho ensopado com angu e quiabo, comidinhas de dar água na boca.

Um dos filhos gripava, ele vinha com a receita do “tiborra”:- farinha de milho em meio aos cubos de rapadura. Salpicava limão, botava água, uma colher de manteiga e deixava ferver. A seguir, o doente tomava aquele mingau quente, pelando, sapecava as tripas e suava como um condenado, mas no dia seguinte estava curado!

Do mano Silvinho, que queria ser jogador de futebol (e o foi, como profissional do Nacional de Uberaba, do Vasco da Gama, do Vila Nova/GO, do Fortaleza, do América/MG, etc.), ele cuidava mais de perto. Ia ao Mercado Central, trazia mel de engenho, queijos, ovos e rapadura e fazia o moleque comer aquilo tudo no muque. Lembro-me duma vez em que, manhã bem cedo, na cozinha, já uniformizado pra seguir pro Colégio Municipal, eu o vi fazer com o Silvinho o mesmo que o pai do Zezé di Camargo e do Luciano fez no filme “Os filhos de Francisco”:- quebrar uns ovos crus e fazer o menino engolir gema e clara duma vez só, na marra! ...

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B.Hte., 23/07/08

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 14/09/2009
Código do texto: T1809982
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