O BIGODE

O homem tinha um vasto bigode, que cultivava com afinco e esmero. Ah!, o homem era praticamente seu bigode. Um bigode empostado, desses que não se vê mais hoje em dia, à exceção de alguns poucos abnegados da tradição. Toda manhã, ao adentrar em seu banheiro – cujas torneiras reluziam a ouro – ele procurava a tesoura própria para a poda e o pente fino, cuja eficiência era questionável, mas de um prazer no massageio inigualável.

O homem colocava seu terno italiano, acercava o pulso com o suíço, provava o café sob olhares temerosos dos serviçais e saia em busca do sedan preto que o esperava em frente ao prédio. Na calçada, segundos antes de entrar no carro, sentia o sol matinal cingir-lhe a face e dourar-lhe o espírito. O Senador achava-se o filho da estrela, o ungido, afinal, foram mais de cinquenta anos no poder, tendo generais, almirantes, brigadeiros, outros senadores, deputados, empresários, sindicalistas, banqueiros, e até presidentes sob a tutela de seu bigode.

Seguia para a esplanada, onde ficava o seu domínio – a sua Cidade Proibida. Já lhe tremiam os dedos pela idade, mas o peito e o olhar mantinham-se sempre acima da linha do horizonte. Todos se curvavam à sua passagem, fosse por respeito ou por temor. Detinha-se nos corredores para dar abraços efusivos e interesseiros em colegas ou em subalternos. Porém, no fundo, sentia desprezo por todos e escarrava mentalmente a cada adulação. Queria, a essa altura, viver cercado de concubinas, sem ter de, ainda, fazer gracejos com parasitas.

O Bigode havia construído um império às custas de sua posição e dos cofres públicos. Amparara toda sua prole e garantira que jamais, mesmo que findasse mil anos, seu sobrenome se perdesse nas vagas do tempo. Contudo, o Senador não contara com a soberba da juventude e menosprezou àqueles que seguiam seus passos como a uma cartilha. Até então, enfrentara exércitos fracos, mal preparados e despojados de sua altivez… mas o tempo é cruel com os anciãos.

Numa sessão dos iguais, levantou-se a hipótese de que o Bigode não servia mais como antigamente – estava ultrapassado. “Este plenário é como um bote salva-vidas há dias perdido, Senador. É hora dos velhos servirem de alimento às gerações vindouras, para que a espécie continue”, declarou a nova casta. Com o dedo em riste, mas tremendo – por idade e ódio arraigado – o Senador negou-se a se entregar. Vestiu o seu antiquado, mas eficiente, uniforme de batalha, lustrou as medalhas (conquistadas em sua maioria nos bastidores e sem honra) e sacou de todas as armas que possuía.

A tropa inimiga saiu em seu encalço por todos os lados, mas o velho Bigode tinha aliados poderosos e experientes (sem contar as inúmeras táticas que tinha na manga após anos de atos e mandatos secretos). Ao ver as fardas napoleônicas em defesa do Senador, a oposição gritou: “Raspemos o bigode! Mudemos o uniforme; e já!” Só não contavam com a dificuldade de se encontrar navalha capaz de expurgar as raízes e jaquetas grisalhas – sempre crescentes e profundamente espalhadas naquela esplanada.