A pequena contadora de histórias
Me chamo Carolina, tenho oito anos, e gosto de contar para minhas amigas de minhas duas avós, vovó Eliane e Oma Gisela.
Oma é vovó em alemão.
Vovó, mãe de minha mãe é mineira e artística. O porta-malas de seu carro vive cheio de sacolas ecológicas. Sei o que são as sacolas porque pergunto tudo o que quero saber, e vovó me responde. Ela faz compras no supermercado com sacolas ecológicas, que ela mesma corta e costura. "Os sacos de plástico poluem nosso planeta", vovó diz. Outro dia ela me deu uma sacola de chita estampada com araras vermelhas e azuis, que uso quando vou à praia. As sacolas de vovó têm muitos usos, você que escolhe.
Oma Gisela, mãe de papai, me educa. Me ensina comer com boca fechada e segurar o garfo com o fura-bolo e o mata-piolho, apoiados no pai-de-todos. Vovó dá esses nomes engraçados para os dedos no lugar de dizer o indicador, o polegar e...bom, o pai-de-todos... como é mesmo o nome careta para o dedo do meio?
Vovó é engraçada e ri muito. Tudo que faço é báááááárbaro! E acabo achando bááárbaros meus desenhos e idéias artísticas. Quero ser ilustradora.
Oma sabe muito de educação, mas pra andar de balão e saltar de para-queda não precisa ser bem educada, acho que precisa é de coragem. Oma tem muita coragem. Nas horas vagas ela pinta quadros muito bonitos que enfeitam sua casa.
Vovó me diz: "Para quebrar, precisa conhecer as regras". E me conta que a gente aprende a quebrar pedras e regras, senão a vida fica sem graça. Vovó é poeta, brinca com as palavras como brincava com os bichos e as crianças quando era pequena. Foi a menina arteira que subia nos muros e procurava cavernas. Agora, quando me vê encima de um muro, tem medo que me machuque.
_ Como é que pode?
Pergunto com as mãos na cintura . Mamãe, então, recorda à vovó:
_ Você ensinou a gente andar encima de muros.
"A gente" aí quer dizer mamãe e suas duas irmãs, minhas tias. Enquanto penso, escuto vovó dizer:
_ Acho que estou ficando velha, que medo de osso partido!
Pois é, bem que sei, vovó não anda de balão nem salta de para-queda com Oma, porque morre de medo de osso quebrado. O que vovó quebra são as regras gramaticais, com seus poemas. Pedras nunca vi vovó quebrar.
Quando mamãe e papai namoravam, achavam Vovó e Oma tão diferentes, que não tinham esperança de ficarem amigas. Isso antes mesmo das duas se conhecerem. Conformados, desistiram da futura amizade delas.
_ Seria tão bom se não fosse impossível, vaticinavam. E avisaram suas mães da triste situação:
_ Vocês não vão se dar bem, que pena!
(Vaticinar é adivinhar o futuro. Vovó me conta das palavras, como antes o avô dela, meu tetravô Moisés lhe contava. )
Papai e mamãe ficaram noivos, e meus quatro avós se conheceram. Tenho dois avós: Vovô e Opa. Opa é vovô em alemão. Depois da festa do noivado os quatro saíram para tomar alguma coisa, e até hoje nunca mais pararam de tomar alguma coisa juntos. Vovó e Oma inventaram que são amigas desde a infância. E gostam de contar que voam à noite, em suas vassouras.
Outro dia perguntei à Vovó:
_ Com um gato preto?
_Não precisa ser gato, pode ser cachorro. Vovó respondeu.
Então imaginei os quatro cachorros de Oma voando com elas, em fila, um atrás do outro, soltando pum para voar mais rápido.
Vovó não tem bichos em casa, e voa com a Chiquinha, minha cadela. E com os gatos da Amanda, minha prima caçula que mora em Madrid. Amanda tem duas gatas, Flora, a angorá, e Olímpia, que é filhote e preta.
Essas são minhas avós. Nem preciso contar que de um lado sou alemã, do outro mineira. Demorei uns anos até entender que os mineiros são brasileiros. Agora já sei, já estou crescida.