NINGUÉM DISSE QUE SERIA FÁCIL





Sou cinéfila e os filmes policiais sempre despertaram minha atenção, especialmente aqueles que reservam boa parte da trama em um tribunal. Observar o desempenho dos advogados de defesa e do promotor pode ser um excelente exercício de representação do pensamento sobre afetos e atitudes.


 
Muitos crimes são "justificados" pela violenta emoção. Existe nesta idéia uma forma de atenuar o delito. Parece que à luz do Direito, premeditar é muito mais cruel por ser frio e isento de emoção. Quem premedita uma ação agressiva teria, em tese, tempo para rever e repensar sua atitude, enquanto a pessoa passional, desgovernada pela fúria, age sem o requinte de crueldade do cálculo prévio.
 

Não sou advogada, não estudo Direito, nem posso me considerar nada além de um ser humano a mais que observa o mundo e as coisas.


Entretanto, dentro ou fora do aspecto jurídico e da esferal criminal, mesmo em nosso cotidiano, simples e sem maiores transgressões, a idéia do controle sobre afetos e desafetos é ilusória. Ninguém pode dizer, em sã consciência que gosta, desgosta, sente raiva, ternura, ódio, fúria, inveja, desejo ou seja lá o que for, quando bem entende e deixa de sentir, também, no exato instante em que assim decidiu.



Emoção não é algo que se delibera através de uma ata de reunião consigo mesmo. Não existe controle sobre afetos ou desafetos.


O único controle possível passa pelo comportamento, atitude.


Nossos atos podem ser controlados e não os sentimentos. Controlamos musculatura, não emoções. Por isso, sentir raiva ou amor, por exemplo, é incontrolável.


Entretanto, os tapas, murros e outras atitudes violentas ou invasivas (advindas de movimentação muscular, ou seja, comportamento e ação), são fruto de escolha. E portanto, controláveis. Embora para muitos uma coisa leve a outra naturalmente. Puro instinto.


Claro que estas idéias podem encontrar ressonância apenas entre quem aceita o processo civilizatório que determina as regras do jogo. Pessoas assim, admitem que o mundo não se resume a sua própria representação, pensamento e vontade.



Afinal, civilizar é, em última instância, reprimir (no sentido de conter) para possibilitar o convívio. Isso implica, necessariamente, no respeito aos limites.
Crescer de forma civilizada é conscientizar-se, assumir responsabilidades sobre seus atos e tolerar frustrações.


É... Pode ser bem complicado, mas ninguém disse que seria fácil.




P.S.:
Respondendo ao comentário do escritor recantista, Jorge Sader: Ser cinéfila inclui a observação do comportamento universal e não apenas e exclusivamente brasileiro. A referência, em linguagem coloquial, já que não sou advogada, nem meus textos podem ser lidos como teoria jurídica, sobre a questão do dolo e da culpa permanece exatamente no sentido que desejei expressar. Dolo é o resultado esperado de uma ação (por isso utilizei o verbo "premeditar" em linguagem, explico, mais uma vez, coloquial). O foco do meu texto não trata de absolvições absurdas nem de crimes passionais. O que escrevi nesta crônica se encaminha para a análise psicológica dos afetos e atitudes. Espero ter sido mais clara, desta vez.

 




(*) Imagem: Google

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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 13/09/2009
Reeditado em 16/09/2009
Código do texto: T1807496
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