Gracejos sem maldade
O Governo, no Brasil, é uma instituição
destinada a criar postos e impostos: os impostos para pagar os postos.
Afrânio Peixoto
Josué Montello. Gosto do seu estilo direto e simples e da inconfundível pureza do seu texto. Sua produção literária - interrompida com sua morte, em 15 de março de 2006 - não é, apenas, vasta, mas exuberante.
Relendo Montello, já disse isso, aprimoro meu frágil e pobre português.
Vez em quando, retorno aos seus romances. Indagorinha percorria as páginas de O baile da despedida, tirando algumas dúvidas sobre o "Adeus da monarquia na grande noite da Ilha fiscal" .
Também, de vez em quando, releio os seus diários: Diário do amanhecer, Diário da tarde, Diário do entardecer e Diário da noite iluminada. Em cada um, uma aula de como escrever bem.
Em uma dessas minhas idas ao Rio de Janeiro, num sebo da Barata Ribeiro, encontrei - já com aquele cheirinho de livro velho -, Na casa dos 40, do José Montello.
O autor de Cais da salvação, reuniu, Na casa dos 40, como ele mesmo diz, "as pequenas histórias joviais" ouvidas na Academia Brasileira de Letras que ele, ocupante da Cadeira 29, foi, durante anos, seu presidente.
Com mais de 361 páginas, este livro do Montello traz chistes, gracejos pilhérias, repentes, tudo produto da inteligência de escritores brasileiros. E Josué afirma, justificando seu agradável livro: "Se o riso é próprio do homem, como queria Rabelais, por que excluí-lo da Academia?"
São momentos de descontração no seio da Academia da Presidente Wilson, sem quebrar a austeridade da Casa de Machado de Assis.
Confesso que tive dificuldades para escolher, no meio de tantas, algumas "pequenas histórias" que despertassem, nos meus nobres leitores, uma pontinha de interesse.
Não esmoreci. Já que me dispusera, em última análise, a colocar sob os olhares dos amantes da boa leitura, o livro do Montello, Na casa dos 40.
E resolvi transcrever, na íntegra, as seguintes "pequenas histórias", guardando a redação que lhes dera o autor de Os tambores de São Luis.
Sorriso do doente - Afrânio Peixoto, embora passasse relativamente bem depois da grave operação a que se tinha submetido, compreendeu a gravidade de seu estado, sabendo que ia morrer.
Seu médico, o Dr. Cruz Lima, buscava avivar-lhe uma flama de esperança.
E Afrânio, uma tarde, depois de ouvir o amigo: - Que pena eu tenho dos médicos - afirmou - Estou sentindo a delicadeza de suas palavras para me consolar. Mas eu conheço bem a gravidade de minha doença.
Depois de um silêncio, sorriu de leve: - Diga lá fora, aos que perguntarem por mim, que seu mestre Afrânio está morrendo, mas está sorrindo. E alteando a cabeça no travesseiro: - Mas este sorriso, como quase todos os sorrisos, é fingido...
Fugindo ao casamento - Ataulfo de Paiva, que morreu nonagenário, e solteiro, foi instado por sua velha mãe, ao tempo em que andava pela casa dos quarenta, a contrair matrimônio.
- Você precisa fazer a felicidade de uma mulher - argumentava a boa senhora.
E Ataulfo, que conhecia a difícil arte de conquistar o coração feminino, sem se deixar levar ao caminho do Pretório: - Se eu fizer a felicidade de uma, faço a infelicidade de muitas outras...
Vontade de trabalhar - Domingo de sol. Calor escaldante. Herman Lima, em visita a Olegário Mariano, seu velho amigo, deste recebe o convite para visitarem Gustavo Barroso.
Foram encontrar o mestre de Terra de Sol, à mesa de trabalho, escrevendo. O suor descia-lhe da testa. O pijama aberto mostrava o peito molhado. No rosto corado, uma expressão de saúde.
- Como é que você pode escrever com um calor destes, criatura? - indagou Olegário.
E Barroso, deixando a caneta para ir ao encontro dos amigos: - De fato, com este tempo, a gente não pode ter vergonha, quanto mais vontade de trabalhar...
O nome do escritor - Ao ser lavrado no Palácio do Catete o decreto que nomeava Humberto de Campos, Diretor da Casa Rui Barbosa, Gregório da Fonseca, seu colega de Academia e Secretário do Presdidente da República, telefonou para o cronista maranhense perguntando-lhe o seu nome por extenso.
- Humberto de Campos - respondeu ele.
E Gregório, surpreendido: - Só? Assim tão curto?
- Só - confirmou Humberto.
E num resumo de seu destino de lutas: - E assim tão curto você não imagina o trabalhão que tive para fazê-lo!
O rosário do padre - Era Prefeito do Distrito Federal o Padre Olímpio de Melo, sacerdote político não de todo dissociado de suas bravas raizes pernambucanas. O Presidente Vargas tinha por ele especial admiração e apreço. Daí lhe haver entregue o Governo da Cidade, dando-lhe com isto a chefia política carioca.
Num dos despachos com o Presidente, no Palácio do Catete, Padre Olímpío, ao tirar o lenço do bolso da batina, não reparou que, com o movimento, escorregara para o tapete do salão a sua faca nordestina.
E Vargas, mostrando-lhe a arma: - Padre, o seu rosário caiu...
Mais uma, só mais uma, para não enfadar quem, neste momento, me lê.
O epitáfio do cronista - Humberto de Campos, na fase em que se agravavam os seus padecimentos físicos, adaptou para a língua portuguesa duas quadras que o poeta Scarron compôs para seu próprio epitáfio. E elas assim ficaram na transposição do cronista maranhense:
O homem cansado da lida / Não inveje deste a sorte: / Ele con heceu a morte/ Mil vezes, dentro da vida. // E que por aqui se afoite/ Não faça barulho enorme;/ Pois esta sé a primeira noite/ Que Humberto de Campos dorme.
Ah, são centenas dessas historinhas contadas, Na casa dos 40, por Montello, no seu inconfundivel e encantador estilo.
Com esta crônica desejei, também, fazer alguém sorrir. Fazê-lo esquecer, por alguns segundos, dos probelmas que por acaso o asfixia. Se não consegui, paciência!
Nem por isso estará o querido leitor desobrigado de procurar um exemplar de Na casa dos 40, lendo-o de cabo a rabo.
Melhor do que gastar seu precioso tempo espiando as páginas de Caras ou de outra revistinha do mesmo gênero, número e grau...
O Governo, no Brasil, é uma instituição
destinada a criar postos e impostos: os impostos para pagar os postos.
Afrânio Peixoto
Josué Montello. Gosto do seu estilo direto e simples e da inconfundível pureza do seu texto. Sua produção literária - interrompida com sua morte, em 15 de março de 2006 - não é, apenas, vasta, mas exuberante.
Relendo Montello, já disse isso, aprimoro meu frágil e pobre português.
Vez em quando, retorno aos seus romances. Indagorinha percorria as páginas de O baile da despedida, tirando algumas dúvidas sobre o "Adeus da monarquia na grande noite da Ilha fiscal" .
Também, de vez em quando, releio os seus diários: Diário do amanhecer, Diário da tarde, Diário do entardecer e Diário da noite iluminada. Em cada um, uma aula de como escrever bem.
Em uma dessas minhas idas ao Rio de Janeiro, num sebo da Barata Ribeiro, encontrei - já com aquele cheirinho de livro velho -, Na casa dos 40, do José Montello.
O autor de Cais da salvação, reuniu, Na casa dos 40, como ele mesmo diz, "as pequenas histórias joviais" ouvidas na Academia Brasileira de Letras que ele, ocupante da Cadeira 29, foi, durante anos, seu presidente.
Com mais de 361 páginas, este livro do Montello traz chistes, gracejos pilhérias, repentes, tudo produto da inteligência de escritores brasileiros. E Josué afirma, justificando seu agradável livro: "Se o riso é próprio do homem, como queria Rabelais, por que excluí-lo da Academia?"
São momentos de descontração no seio da Academia da Presidente Wilson, sem quebrar a austeridade da Casa de Machado de Assis.
Confesso que tive dificuldades para escolher, no meio de tantas, algumas "pequenas histórias" que despertassem, nos meus nobres leitores, uma pontinha de interesse.
Não esmoreci. Já que me dispusera, em última análise, a colocar sob os olhares dos amantes da boa leitura, o livro do Montello, Na casa dos 40.
E resolvi transcrever, na íntegra, as seguintes "pequenas histórias", guardando a redação que lhes dera o autor de Os tambores de São Luis.
Sorriso do doente - Afrânio Peixoto, embora passasse relativamente bem depois da grave operação a que se tinha submetido, compreendeu a gravidade de seu estado, sabendo que ia morrer.
Seu médico, o Dr. Cruz Lima, buscava avivar-lhe uma flama de esperança.
E Afrânio, uma tarde, depois de ouvir o amigo: - Que pena eu tenho dos médicos - afirmou - Estou sentindo a delicadeza de suas palavras para me consolar. Mas eu conheço bem a gravidade de minha doença.
Depois de um silêncio, sorriu de leve: - Diga lá fora, aos que perguntarem por mim, que seu mestre Afrânio está morrendo, mas está sorrindo. E alteando a cabeça no travesseiro: - Mas este sorriso, como quase todos os sorrisos, é fingido...
Fugindo ao casamento - Ataulfo de Paiva, que morreu nonagenário, e solteiro, foi instado por sua velha mãe, ao tempo em que andava pela casa dos quarenta, a contrair matrimônio.
- Você precisa fazer a felicidade de uma mulher - argumentava a boa senhora.
E Ataulfo, que conhecia a difícil arte de conquistar o coração feminino, sem se deixar levar ao caminho do Pretório: - Se eu fizer a felicidade de uma, faço a infelicidade de muitas outras...
Vontade de trabalhar - Domingo de sol. Calor escaldante. Herman Lima, em visita a Olegário Mariano, seu velho amigo, deste recebe o convite para visitarem Gustavo Barroso.
Foram encontrar o mestre de Terra de Sol, à mesa de trabalho, escrevendo. O suor descia-lhe da testa. O pijama aberto mostrava o peito molhado. No rosto corado, uma expressão de saúde.
- Como é que você pode escrever com um calor destes, criatura? - indagou Olegário.
E Barroso, deixando a caneta para ir ao encontro dos amigos: - De fato, com este tempo, a gente não pode ter vergonha, quanto mais vontade de trabalhar...
O nome do escritor - Ao ser lavrado no Palácio do Catete o decreto que nomeava Humberto de Campos, Diretor da Casa Rui Barbosa, Gregório da Fonseca, seu colega de Academia e Secretário do Presdidente da República, telefonou para o cronista maranhense perguntando-lhe o seu nome por extenso.
- Humberto de Campos - respondeu ele.
E Gregório, surpreendido: - Só? Assim tão curto?
- Só - confirmou Humberto.
E num resumo de seu destino de lutas: - E assim tão curto você não imagina o trabalhão que tive para fazê-lo!
O rosário do padre - Era Prefeito do Distrito Federal o Padre Olímpio de Melo, sacerdote político não de todo dissociado de suas bravas raizes pernambucanas. O Presidente Vargas tinha por ele especial admiração e apreço. Daí lhe haver entregue o Governo da Cidade, dando-lhe com isto a chefia política carioca.
Num dos despachos com o Presidente, no Palácio do Catete, Padre Olímpío, ao tirar o lenço do bolso da batina, não reparou que, com o movimento, escorregara para o tapete do salão a sua faca nordestina.
E Vargas, mostrando-lhe a arma: - Padre, o seu rosário caiu...
Mais uma, só mais uma, para não enfadar quem, neste momento, me lê.
O epitáfio do cronista - Humberto de Campos, na fase em que se agravavam os seus padecimentos físicos, adaptou para a língua portuguesa duas quadras que o poeta Scarron compôs para seu próprio epitáfio. E elas assim ficaram na transposição do cronista maranhense:
O homem cansado da lida / Não inveje deste a sorte: / Ele con heceu a morte/ Mil vezes, dentro da vida. // E que por aqui se afoite/ Não faça barulho enorme;/ Pois esta sé a primeira noite/ Que Humberto de Campos dorme.
Ah, são centenas dessas historinhas contadas, Na casa dos 40, por Montello, no seu inconfundivel e encantador estilo.
Com esta crônica desejei, também, fazer alguém sorrir. Fazê-lo esquecer, por alguns segundos, dos probelmas que por acaso o asfixia. Se não consegui, paciência!
Nem por isso estará o querido leitor desobrigado de procurar um exemplar de Na casa dos 40, lendo-o de cabo a rabo.
Melhor do que gastar seu precioso tempo espiando as páginas de Caras ou de outra revistinha do mesmo gênero, número e grau...