OS BASTIDORES DE UMA PSICOGRAFIA

Aniceto sentiu a presença do Dr. Belarmino se aproximando. Inclinou-se levemente em direção à mesa, de forma que a sua mão esquerda cobrisse seus olhos e sobrancelhas e sustentasse a sua cabeça, e com a mão direita começou a escrever a mensagem que o famoso médico do astral queria passar aos seus leitores.

" Caros irmãos da luz

Que a luz do Mestre Jesus esteja presente em vossas vidas. Com a permissão das mais sutis ordens celestiais, venho por meio dessa mensagem, revelar que os textos do nosso irmão Aniceto são tão importantes quantos os meus. Prestem atenção aos textos que os nossos irmãos escrevem na Terra, pois eles são tão valiosos quanto estas linhas que fluem pela graça de Cristo".

Aniceto parou de escrever, levantou a cabeça e olhou para o espírito do Dr. Belarmino. O médium era clarividente, por isso via nitidamente o médico ao seu lado; (ele só baixara mesmo a cabeça para escrever, por força do hábito).

- Doutor - disse Anaceto - Não acho que seja uma boa idéia esse seu texto.

- Irmão Aniceto - respondeu o Dr. Belarmino - É chegado o momento dos meus leitores perceberem que parte do que eles pensam vir do astral, é escrito também por suas mãos.

- Mas, Doutor, o pessoal não curte muito esses textos anímicos. Se o texto não for psicografado, ele não será levado a sério. Veja bem, antes do senhor aparecer, eu tentei, sem sucesso, publicar cinco livros de poesias, dois de crônicas e oito romances; e até hoje espero a resposta das editoras, e bastou um livro do senhor para a coisa voar rapidamente, tornei-me um dos autores

espíritas mais lidos de todos os tempos. Ultrapassei até os Gasparetos!

- Meu irmão de caminhada! Esse trabalho da luz em forma de informação não é para todos; mas você nasceu com esse dom; e não precisa estar na lista dos mais vendidos para ser lido e ter as suas idéias multiplicadas. O milagre dos pães do Mestre Jesus acontece sobretudo com as letras. Se você for lido por uma pessoa, já bastará o trabalho de ter escrito algo.

- Doutor Belarmino, eu sei que o senhor por estar no astral vê tudo com mais clareza, mas o pessoal aqui na Terra ainda não esta preparado para aceitar isso. A maioria das pessoas prefere qualquer música que venha de fora, só porque é algo estrangeiro. O mesmo ocorre na literatura espírita; se não for psicografado, deve ser uma desses livros espiritualistas com teorias absurdas e malucas. Ninguém leva a sério!

- Seus irmãos de senda precisam compreender que tanto os textos anímicos quanto os psicografados são valiosos. Você também é espírito, Aniceto, por isso psicografe o seu coração e deixe a inspiração guiar as suas letras. Essa é a minha última visita, por isso, não tenha medo, os seus e os meus leitores compreenderão que o mais importante é a mensagem escrita e não o autor.

Dr. Belarmino se foi, deixando para trás um Aniceto confuso, perdido em dúvidas; será que seus leitores compreenderão que ele é também o autor daqueles ensinos maravilhosos?

Um novo livro saiu nas bancas, e para a surpresa dos leitores que faziam fila para ler o próximo livro do Dr. Belarmino, eles viram apenas na capa do livro o nome de Aniceto. Uma introdução assinada pelo famoso médico espírita conclamava a todos que lessem sem preconceito aquele livro escrito sob a pena do amor e da compaixão cristã.

Só podia ser brincadeira, diziam alguns; outros, nem se deram o trabalho de ler o livro. Fracasso total, foi o que disse o editor da Editora Nossa Casa.

Aniceto estava arrasado. Diante do abandono do público, ele percebeu que estava muito acostumado à fama, a ser lido, mesmo que tivesse que dividir o mérito com um outro espírito. Os meses se passaram e o Dr. Belarmino não voltou.

Apesar do esquecimento dos leitores, as idéias não paravam de fluir da sua cabeça e ele começou a escrever vários romances, mensagens e poesias. Nunca tinha escrito tanto. Era estranho, mas aparentemente, depois que o médico tinha ido embora, mesmo sem leitores, mesmo sem livros vendidos, a sua inspiração aumentava cada vez mais e por conta própria.

Enfim, Aniceto publicou o seu primeiro livro. Vendeu 25 cópias; o segundo, pulou para 100; o terceiro foi a 500. Para quem vendia 500 mil cópias com o Dr Belarmino, aquela tiragem era quase nada, mas Aniceto percebeu que era livre para ousar, criar e reinventar sempre o que queria. Os seus leitores começaram a aumentar e logo, Aniceto se tornou um autor conhecido fora do eixo espírita, e as suas palavras eram repetidas, multiplicadas, lidas, interpretadas,

discutidas, e em algum lugar do mundo astral, o Dr. Belarmino sorriu, contente, com o que viu; e ele podia continuar em silêncio, guiando o escritor, como sempre fez, inclusive quando Aniceto pensava que o via e que era o médico que dizia as palavras que o próprio Aniceto escrevia.