INVERSÃO DE VALORES

A gente vai amadurecendo e passa a ver com outros olhos as mesmas coisas e situações do passado.

Nos meus áureos anos de faculdade, lá pelos idos de 1975, tive um professor que afirmava ser a inversão de valores que caracterizaria nosso mundo em futuro recente (entenda-se futuro recente tendo sempre em vista a década de 70). Na ocasião aquilo me pareceu uma previsão ou visão de um profeta louco, visionário, uma vez que o dito professor não primava pelas idéias e comportamentos da época. O professor, soube-o, morreu há pouco tempo e foi polêmico até o fim dos seus dias. Polêmico, mas não louco! Suas palavras ainda ecoam em meus ouvidos e sua previsão se confirmou de tal modo, que acho até aquém do processo de inversão que o mundo sofreu.

Inversão de valores? perguntarão as gerações mais novas... o mundo é assim, insistirão eles.

Aí é que entra a geração dos pais, ou melhor, dos avós de hoje, que viveu numa só vida, duas épocas distintas.

Tenho 58 anos e sou do tempo em que se escrevia a máquina (que nem elétrica era), em que o telefone (um luxo de poucos) ainda era discado girando um círculo, em que o rádio era o maior meio de comunicação de massa, o relógio tinha que dar corda, os carros eram exclusividade dos ricos. Vi surgiram a mini-saia, o jeans (que se dizia Lee), o tênis (ou melhor a Conga e o Guides), a cinta liga, o soutiã com enchimento (ah! não existia o silicone), os cabelos eram alisados a ferro (e muitas vezes a fogo, porque queimavam), as calças boca de sino, as pantalonas. E as reuniões dançantes ao som de Renato e seus Blue Cats, Fevers, Incríveis... E a Jovem Guarda que fazia furor sob o comando de Roberto Carlos e um bando de cabeludos, rebeldes, rebolativos (para desespero dos pais), cantando garotas, gatos, carrões, falando gírias (bicho, brasa mora). Os Beatles que modificaram toda a história da música... E os hippies com sua "Paz e amor", se contrapondo as guerras que ceifavam vidas jovens. E as paqueras... a gente flertava até lacrimejarem os olhos...

Tem tanta coisa que é impossível citar todas. O que quero dizer é que minha geração transformou valores sociais e culturais, abrindo caminho para a evolução dos costumes. E, de repente, o mundo evoluiu cem anos em trinta. A tecnologia acompanhou a evolução sócio-cultural e hoje ninguém (a não ser os avós) lembra mais dessas coisas que, como diriam os jovens, são do tempo em que se escrevia farmácia com ph (também não é preciso exagerar, pô!). A evolução tecnológica fez a maravilha do mundo moderno. Não preciso citar nada, porque estão aí e todos conhecem e desfrutam.

O meu assunto é a inversão de valores. Porque se a tecnologia facilitou a vida do homem, trouxe também coisas que viraram os valores de cabeça para baixo. De tal forma que até se esquece como era antigamente. Não que eu seja saudosista. Admiro o progresso, ele é necessário, mas tenho a convicção de que certos valores morais deveriam acompanhar essas mudanças e não desaparecerem como fumaça na poeira do tempo.

Respeito, por exemplo. Respeito deveria ser sempre atual. Respeito aos valores familiares, aos idosos, as crianças. Os asilos estão lotados de velhos esquecidos pelos próprios filhos _ velho é lento, surdo, incapaz, incomoda! Crianças em instituições que sobrevivem da caridade alheia; crianças pelas ruas esmolando, fumando crack. Adultos que mal chegaram aos 40 anos, dormindo ao relento, porque não tem outra opção de vida (com 40 o indivíduo é velho para ser empregado no Brasil). Professores ameaçados por alunos, muitas vezes com a conivência dos pais; gangs brigando frente as escolas. Sem contar que alguém com mais idade, se não desviar, é levado de roldão por estudantes, nas calçadas. E ainda tem aqueles que te chamam de "tia", quando não de "vovó"... Eu não sou avó, e sobrinhos só tenho três! Porra! Nos inferninhos só se vê a fumaceira tóxica da maconha... que, por sinal, é quase inofensiva frente a tantas drogas que pernoitam por aí. O garoto alcoolizado, quase um menino, expulso e jogado na calçada frente a boate, sem ninguém a socorrer... os seguranças são pagos para cuidar do interior e se o jovem vomitou ou desmaiou, jogam-no para fora, eximindo a boate por vender bebida a menores (como se fossem só bebidas...).

Meu velho professor tinha razão. A decadência cultural antecede a decadência da sociedade e quando os valores se invertem, quem nos pode ajudar? Deus nos acuda! Valores invertidos... Quem vai ler um Simmel, um Morris West, um Jorge Amado, se ligo o computador e lá, explicitamente, me deparo com gente transando, com aberrações sexuais sendo jogadas na cara dos nossos filhos... como se fossem animais... não, como se nem animais fossem. É pior! O animal copula para procriar e o que estamos vendo são enormidades infelizes de mentes deterioradas e poluídas. É o inferno de Dante!

Tudo o que existe no mundo é bom e tem sua finalidade. O homem é que não está a altura das descobertas e faz uso delas a seu bel prazer, como se o Éden tivesse aberto a porta aos demônios ( que se existem, devem estar se locupletando e até corados com esses espetáculos dantescos que o animal homem proporciona).

Não sou careta. O progresso é útil ao desenvolvimento do homem.Tudo o que já foi e está sendo inventado tem seu valor. Acontece que o homem distorce as invenções a seu bel prazer, esquecendo que, ombreando com ele, estão outros seres humanos.

Poderia me estender por noites a fio. Mas, não é preciso... todos sabem de tudo o que grassa por aí. O que importa é ter o discernimento de usar as coisas com moderação, de distinguir o bom do nocivo e não jogar no lixo, como descartável,o legado de gerações.

Como os valores éticos e morais. Porque sem eles, em pouco tempo veremos a sociedade humana desmoronar e retornaremos à barbárie do homem das cavernas (apesar da eletricidade e da água encanada!). Porque esses valores são perenes e devem fazer parte da natureza do homem como ser espiritual que é.

Se a tecnologia avança, por que os valores morais têm que se perder?

E me vejo, retornando no tempo, sentada numa sala de aula, ouvindo meu antigo professor de História. Será que ele era um vidente, um profeta e eu não percebi?

Giustina
Enviado por Giustina em 12/09/2009
Reeditado em 29/09/2014
Código do texto: T1805611
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