PORQUE NÃO HÁ MAIS SAMARITANO
Uns dizem: Fazer o bem, não olhar a quem; outros, fazer o mal, não olhar a qual. E assim, por causa desta última premissa, não há mais samaritano.
Certa vez, Miguilim foi chamado a ajudar um casal que tinha uma filhinha de seis meses. Eles não tinham o que comer, moravam num ponto comercial desativado, cedido por parentes.
Eram doze metros quadrados ( 3x4 m). Na frente, uma porta de aço, constantemente fechada e na lateral, uma porta estreita dava acesso a um cômodo que servia de cozinha e dormitório.
Informado das condições precárias daquela família, Miguilim colocou um quarto de salário mínimo num envelope, formou uma cesta-básica apanhada em sua despesa, convidou a esposa e foi visitar o casal.
O dinheiro seria dado à mãe, para comprar o leite da criança, afinal, não podia oferecer uma variedade de laticínio que não fosse adequado à idade da menina...
A cena encontrada não era diferente daquela que antes lhe descrevera um tio afim: uma mulher pálida, bem descorada, segurava nos braços uma criança excessivamente branca...
O homem era quase um espantalho: os baços finos e ombros estreitos, pareciam um cabide destinado a pendurar camisas...
Feita a entrega de alimentos e do dinheiro, os visitantes se retiraram. Enquanto isso, Miguilim pensava numa forma de conseguir emprego para aquele desafortunado pai de família.
Nisso, lembrou-se de um amigo, dono de uma construtora. Vou falar com Wanderley – pensou.
O emprego conseguido foi de guarda-norturno, por um período de quatro meses e sem carteira assinada, pois segundo alegação do construtor, a obra estava quase pronta e seria entregue brevemente aos novos proprietários.
Tudo combinado, Miguilim assinaria a carteira profissional de Gê, recolheria FGTS e INSS e seu Wanderley pagava o salário. Gê aceitou as condições, pois estava desempregado há muito tempo...
Ora, Miguilim precisava requerer o “habite-se” de sua casa e faltava exatamente comprovar o recolhimento previdenciário de um servente de pedreiro, para fechar os cálculos da construção.
Gê começa a trabalhar. Tudo registrado no livro de empregados com tinta e papel, na forma da lei.
A partir do terceiro mês de trabalho, a constante visita de Gê à residência de Miguilim, lhe pareceu estranha... todo domingo recebia a visita do guarda-noturno da construção da ENGAST, sempre para falar mal de Wanderley.
- Ele não está te pagando?
- Está, mas já avisou que só até o mês que vem!
- Mas foi combinado assim mesmo. O serviço duraria apenas quatro meses.
- Aquele homem não presta – disse finalmente Gê.
Terminado o contrato, com baixa na carteira e, efetuado o acerto, Miguilim foi intimado pelo Ministério do Trabalho, a pedido de Gê, para pagar horas-extras, adicional noturno e as multas decorrentes.