A "Aurora sertaneja" - Velúzio Neto, Dalmi e eu, ao vivo, na rádio Rio Turvo FM

A "Aurora sertaneja" - Velúzio Neto, Dalmi e eu, ao vivo, na rádio Rio Turvo FM

Na rádio comunitária Rio Turvo FM, da cidade de Turvânia, Goiás, é apresentado aos domingos pela manhã, o programa "Aurora Sertaneja", produzido a apresentado pelo Velúzio Neto*, um sujeito simples, correto e, muito popular, na terrinha.

O seu estilo de locução, fiquei matutando, lembra a locução dos apresentadores da rádio Difusora de Goiânia - a rádio que todas as famílias da região ouviam, nos tempos em que morávamos na fazendinha do avô Rodolfo, muito em especial, o jeito intimista e, bem humorado do saudoso "capitão Reizão".

O "capitão Reizão" era o animador de um programa nas manhãs de domingo, com apresentação de músicos sertanejos de Goiás, ao vivo do estúdio, com platéia e, tudo.

A platéia, aliás, era formada pela turma que ia até lá, para mandar recado para suas famílias, no tempo em que o telefone era algo inacessível e caro, por essas bandas...

Quando estou passando o fim de semana ou, as férias em Turvânia, não gosto de perder o programa. É a chance de ouvir boa música sertaneja e, acompanhar um programa de rádio feito como aqueles que eu ouvia quando criança - daquele mundo de amigos e experiências do qual iria me apartar, depois de crescer e, vir pra capital do Estado, como boa parte da juventude local, em busca de oportunidades.

Velúzio Neto, que é meu primo e amigo de infância, capricha nos detalhes da locução, pois sabe que está falando para o público da região, gente com quem convive ou tem contato.

Mas, ele sabe levar a coisa com tranquilidade. Não faltam em suas falas, tiradas bem humoradas ou engraçadas, recados explícitos ou mais ou menos, e abraços "especiais" pra os ouvintes da zona rural e, urbana. Ninguém gosta de ser esquecido, na hora dos recadinhos e, dedicatórias de música.

Anotei umas frases e, tiradas, pra terem uma idéia do clima em que o programa decorre. Por exemplo: "Agora é hora de tomar aquele cafezinho cheiroso e, gostoso, ouvindo o programa Aurora Sertaneja", "Voce já colocou o radinho no mourão da porteira do curral, pra ouvir o Aurora Sertaneja?" - numa referência e homenagem ao lendário programa "Mourão da Porteira", apresentado por Claudino Silveira por décadas, na Rádio Difusora de Goiânia -, "Ô, fulano, já tá no curral tirando o leitinho das branquinhas? Rapaz, anda depressa, senão o leite vira coalhada!", "Hoje é dia daquele franguinho na panela, feito com capricho pelas donas de casa. Olha, não esqueçam do tempero, hein?" ou, "Um alô, aos amigos feirantes, que estão aí começando o dia. Um abraço pro Dinego do Pastel e, Tamiro do Churrasquinho. Ô Tamiro, como é que é? Já tá servindo o "txai" pros fregueses?" - txai é o código pra pinga ou outra bebida quente - coisa sobre a qual não se fala em rádio comunitária, é claro...

E, ele vai executando as músicas que fizeram que remontam aos tempos de nossos pais, tocando Lourenço e Lorival, Tião Carreiro e Pardinho, Tonico e Tinoco, Tibagi e Niltinho, Silveira e Barrinha, Carreiro e Carreirinho e, muitos outros, durante três horas seguidas.

No apoio de estúdio, fazendo secretaria, colaborando na sonoplastia e tudo o mais, está Amanda, sua atenciosa filha de 13 anos (13!), que já é uma talentosa locutora diária da rádio e, não tenho dúvidas, tem um futuro brilhante, na profissão, pela frente...

O tempo passa correndo, ouvindo aquilo, enquanto as lembranças da infância e tempos passados, entram e saem da mente, com suas cores e impressões próprias.

E, em sintonia com seu tempo, Velúzio Neto encontrou uma forma de fazer algo de prático pela preservação, no espaço de tempo que tem, na rádio: incluiu na sua programação e elegeu a música "Riozinho" como o hino de preservação ambiental da bacia do rio Turvo.

Toca a música no mínimo três vezes durante o programa e, mexe com os brios da população, chamando-lhes para a responsabilidade de preservar o "Riozinho" querido dos turvanienses.

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No feriado de 7 de setembro, fui à Turvânia, para dar mais um empurrão na construção do meu ranchinho, às margens do lago represado, na chacrinha de meu pai.

À tarde, apareceu por lá o Dalmi, sertanejo da velha guarda, que fazia parte da dupla Silval e Dalmi, para pescar. Já sabia que eu levei meu violão e, levou o seu vistoso acordeon, já me avisando que à noite, a gente ia dar uma ensaiada, á beira do lago, pois ele queria que eu o acompanhasse no outro dia, numa apresentação ao vivo, na Rio turvo FM, no programa do meu primo Velúzio.

Fiquei meio encabulado e, preocupado com aquilo, pois nunca tinha tocado com um profissional e, muito menos, numa situação assim.

Mas, chegada a noite, começamos o ensaio, na varanda do rancho, sob o luar embaçado de setembro. E Dalmi - que ainda tocar acordeon pra danar, escolheu lá uma valsa, um xote e, três rasqueados. Com as dicas, acabei pegando o jeitão das músicas.

Depois, ele inventou de ensaiar um tango - e, eu apanhei bastante daquele negócio. O problema é que o tal tango, tem dois andamentos diferentes, um mais marcial e, outro mais marcado e, eu não estava conseguindo separar e, executar bem a coisa. Tanto que, depois do ensaio com ele, passei uns minutos tocando sozinho, pra ver se ajeitava aquilo.

No domingo pela manhã, fomos pra rádio – o convidado tinha caprichado nos trajes e, parecia um tanto ansioso, diante de algo rotineiro, para ele.

Velúzio anunciou a presença do convidado no estúdio da emissora e, lhe franqueou o microfone. Ora!, o músico é velho de estrada e, soube aproveitar a oportunidade pra falar dos novos projetos, do prazer de estar tocando na cidade de origem e, coisas assim.

Entramos tocando "saudade de Matão", seguiu com Luar do Sertão", que foi seguida de uma música de autoria própria.

Aí, o estúdio começou a ser invadido por velhos fãs e conhecidos de Dalmi, que foram lá pra ver o músico que tocava nos circos, em shows realizados durante a festa do padroeiro da cidade, por muitos anos seguidos.

Ele ia tocando e, eu ali, fazendo a base sonora, com o violão. De três músicas iniciais, a apresentação se estendeu a cinco. Com a repercussão, Velúzio pediu que ele tocasse mais uma e, ele escolheu justamente o tal do tango que tinha me dado trabalho, "Capricho Cigano", do Mariozan.

E lá fui eu, acompanhando a execução sem convicção alguma e, tendo certeza que não ia acertar o andamento da segunda parte da música - e, tentei, mas de fato, não acertei...

Acabada a apresentação, saímos do estúdio e, na porta da emissora, havia ainda um monte de gente querendo cumprimentar e falar com Dalmi.

Enquanto eu guardava o violão e o acordeon no carro, eu o observava, com seus sessenta e tantos anos, feliz e, sorridente, feito um menino que recebeu o presente de aniversário...

* Leia uma crônica relacionada, aqui: http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1997802