Goiânia: o "Dia do Cerrado" e o lugar da vegetação do cerrado, na cidade.
Goiânia: o "Dia do Cerrado" e o lugar da vegetação do cerrado, na cidade.
Na data de hoje, dia 11 de setembro, se comemora o "Dia do Cerrado". Sinceramente, no meu do extenso calendário de datas comemorativas, não sabia que alguém tinha se lembrado de criar um dia para celebrar a ainda existente savana brasileira, predominante nos estados do centro-oeste e Tocantins, além de se estender a outros estados brasileiros.
E, minha admiração, se dá em virtude do fato de que, a partir dos anos 70, as terras altas do cerrado brasileiro foram declaradas a nova fronteira agrícola brasileira e, desde então, o desprezado biona das matas de árvores tímidas e recurvadas sofreu um deliberado e intenso ataque, em nome do desenvolvimento e, da produção agropecuária.
Pra se ter uma idéia, no início da década de 70, o governo estadual foi ao ponto de adquirir cerca de 500 tratores de esteira, para botar o cerrado abaixo e, abrir caminho para a agricultura - lavoura de arroz de sequeiro, feijão e milho, além de pastagem para o resistente gado nelore, pelo interior afora.
Quando menino, foi passatempo da minha turma, ver o incrível movimento das máquinas pesadas do famoso programa "Goiás rural" e, ver aquela fila enorme dos temíveis tratores de esteira chegarem à cidade, debaixo de foguetório.
Impossível não relacionar o progresso do Estado de Goiás com a abertura desta fronteira agrícola - mas, os efeitos ambientais não podem ser reputados menos do que devastadores, pois, atualmente, restam apenas 14% da cobertura vegetal primitiva, no território goiano.
Passando pela Praça Universitária pela manhã, notei a grande estrutura montada para as comemorações, para a qual um locutor anunciava a presença do polêmico e vazio Ministro do Meio Ambiente, Celso Minc*.
Pensando no assunto, me dei conta de que, na capital de Goiás, o bioma do cerrado não tem vez.
Para tal conclusão, um passeio por Goiânia, basta.
E, mirei, então na rota para o trabalho: no final da rua 10, no Setor Leste Universitário, reinam nos canteiros o Flamboaiã, árvore oriunda da costa africana e, que chegou por aqui na época da colonização portuguesa, para enfeitar praças e, dar sombra às portas das sedes das fazendas e retiros.
Na praça Universitária, onde se realizaria o evento, por exemplo, a grande parte das árvores plantadas, não são originárias do cerrado. Prova inconteste disso, são as gigantescas árvores de fícus da folha larga (trazido da Índia), que dominam sobranceiras o jardim de estátuas ali instalado.
Seguindo na rua 10 em direção à Praça Cívica, já no setor Central, verifica-se facilmente que a vegetação utilizada para arborizar os seus canteiros nada tem há ver com a vegetação que originalmente ocupava a região. As mungubas, árvores troncudas e, de raízes superficiais, que pontuam até a altura da Catedral de Goiânia, são de origem amazônica. Todo o restante da vegetação, inclusive os arbustos e, grama, são de origem exógena.
Circulando a Praça Cívica, notei a majestosa fileira de vetustas gameleiras da folha miúda, plantadas ainda na época de Pedro Ludovico, à direita. No canteiro do outro lado da praça, pontuam sibipirunas copudas, árvore originária da mata atlântica e, dois fícus - as macaúbas que foram plantadas, no meio das gigantes, coitadas, parecem intimidadas com as companhias!
Passando em frente ao Coreto da praça e, voltando os olhos para a avenida Goiás, se vê a vegetação implantada na época da remodelação da via e, retomá-la dos ambulantes, que ocupavam a suas ilhas, da avenida Anhanguera, até a estação ferroviária. Ali, sim, encontramos, agora, algumas espécie do cerrado - como é o caso do ipê branco.
Saindo da Praça Cívica e tornando à rua 10, nos deparamos com um canteiro de pau brasil, que foi plantado, imaginem, para substituir... mungubas (havia uma espécie de fixação no plantio de mungubas nos bairros centrais de Goiânia décadas atrás, ao que parece).
Na rótula do final da rua 10, avistamos a vegetação do Parque dos Buritis. Mas, veja só, que contradição: daquele ponto, não existem buritis à vista! As árvores que se destacam são os guapuruvus, à direita do lago principal do parque.
Seguindo em frente, em direção à praça Tamandaré, encontramos os canteiros plantados com guariroba. Somente dentro da praça é que aparecem paus-ferro e macaúbas, duas plantas originárias do cerrado. O resto, é vegetação oriunda de outros biomas - como é o caso do ipê amarelo, árvore típica da mata atlântica, tanto quanto o guapuruvu.
Nesta altura, o leitor já percebeu que a vegetação predominante na arborização da capital de Goiás (prática seguida na maioria das cidades goianas, de norte a sul, leste e oeste), é do bioma da mata atlântica, com pequenas introduções de vegetação amazônica e, estrangeira, indiana e africana.
Uma simples consulta às fotografias do tempo do início da construção de Goiânia, porém, demonstra que o local em que foi erigida é região de cerrado, tanto que as fotos mostram os pontos altos com a vegetação típica - árvores tímidas e recurvadas, e os baixios ocupados por vaus e veredas, onde vistosos buritis se estabeleciam alegres, rumo ao céu.
No Wall Mart do Jardim Goiás, foram fixadas três reproduções ampliadas em grande escala, dessas fotografias... "Goianidade" à parte, foi uma multinacional que, curiosamente, descobriu o interesse e a importância da veiculação destas peças iconográficas para o grande público - e ficou bonito, aquilo!
Mas, os construtores e administradores de Goiânia, pelo jeito, não tinham a vegetação do cerrado em boa conta, pois não acreditavam no seu potencial paisagístico. E, nem a passagem do tempo, nem a mudança de conceito em relação à importância e interesse do bioma do cerrado, foi bastante para muar esta opinião equivocada.
Por isso mesmo, nos ilhas, jardins, praças e, parques de Goiânia, a interessante vegetação do cerrado é desprezada - para não dizer, barrada, sem que, até hoje, o motivo tenha sido esclarecido à população local - gente habitante da pátria do cerrado, afinal.
Pois, bem. Vejamos um contraste entre o imaginário do paisagismo a cargo do setor público em Goiânia e, Brasília...
Visitando Brasília dias atrás, fiquei impressionado como a vegetação do cerrado está entranhada na arquitetura futurista da cidade e, como aquele contraste e estranheza aparente cria um conjunto original e interessante, que foge do padrão de paisagismo brasileiro.
Na Capital Federal, a vegetação do cerrado é bem recebida e, admirada pelos candangos - e, parece parte indissociável de seu jeito de viver, de sua concepção da cidade. do plano piloto até as cidades satélites, elas tiveram tempo para estabelecer sua conquista de solo e espaço, diante do olhar de admiração diária do brasiliense.
Essa idéia de incorporação foi adiante, também, na cidade de Palmas, ccapital do Tocantins, onde os imensos canteiros de vegetação reinam incólumes sobre os blocos e, avenidas da cidade. À parte o paisagismo, os moradores da cidade reputam à vegetação a capacidade de amainar o clima ressequido e quente que reina por ali o ano todo...
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A questão da recusa dos goianienses em relação à belíssima vegetação do cerrado, à par dos exemplos citados, remanesce sem resolução.
A prefeitura de Goiânia, há tempos procura alocar recursos no Orçamento da União, para, em convênio, erigir o Complexo Macambira, que, se vier a ser executado na forma planejada, vai se constituir na verdade, em vários módulos de uma mesma unidade de conservação e lazer, estendida por numa faixa de dez quilômetros de solo envarzeado.
Quem sabe não é nesse empreendimento que vai surgir a oportunidade para os goianienses de redimirem do desprezo à vegetação do cerrado, dando a ela o lugar e destaque que merece, explorando suas características estéticas?
Afinal de contas, também no meio urbano há lugar para reflexão e prática em relação à valorização, mantença e, recuperação do bioma do Cerrado (sobre o qual Carmo Bernardes* disse que as plantas crescem mais para baixo do que para cima, para enfrentar os rigores climáticos da região).
* No Youtube, é fácil encontrar o vídeo do rumoroso e curioso discurso do atual ministro do meio ambiente, tratando de meio ambiente e... drogas, assunto que, pelo jeito, ele julga correlato. Dá uma idéia do que anda rodando nas cabeças do governo federal, atualmente...
** em "Jângala - Complexo Araguaia", uma magistral de estudo sobre o cerrado (natureza, etnografia), centrado na região da Ilha do Bananal (estado do Tocantins).