As aparências enganam... meeesmo!

Ele era um senhor já grisalho, de pouca estatura, magro como a maioria dos vegetarianos e dos iogues e, como esotérico que era, vivia com o pensamento nos dois mundos – o dos encarnados e o dos desencarnados.

Como morava sozinho, tinha por hábito despir-se todo no quarto antes de ir pro banheiro tomar banho e, evidentemente, voltava de lá igualmente nu em pelo para então ir se vestir de novo no quarto.

Num belo dia, ao sair do banheiro lavado, enxugado, limpo e cheiroso e, como de costume, do jeito que veio ao mundo, com toda a sua magra e pequena encarnação exposta, deu de cara com um baita homão no meio do corredor do apartamento.

Qualquer outro teria reagido com nervosismo ou medo ou indignação, teria gritado ou corrido ou enfrentado o grandalhão com bravura na hora, mas não nosso esotérico amigo, o qual, depois de alguns segundos em que ambos ficaram se encarando estáticos e um tanto assustados, com toda a pachorra do mundo apoiou um cotovelo numa mão enquanto a outra apoiava de leve o queixo, na clássica pose do pensador, e deixou escapar num murmúrio especulativo para si mesmo:

– Será encarnado ou desencarnado?

O grandão, duplamente surpreso – com a calma daquele velhinho pelado e com sua dúvida tão inusitada –, acabou por se mover indeciso, sem saber se voltava por onde veio ou se enfrentava tão frágil porém valente criatura, que a esta altura percebeu claramente que tratava-se de um encarnado, de um grande e forte e mal intencionado encarnado, e só então indignou-se, espigou-se todo e começou a falar com firmeza o discurso de praxe para a circunstância:

– O que o senhor está fazendo dentro do meu apartamento? O que o senhor quer aqui? Ponha-se já daqui para fora!

E, enquanto falava, ia andando decidido na direção do parrudão que, mais surpreso e embatucado do que nunca, foi recuando até a porta da sala.

Acontece que, na hora em que estava saindo assim meio escabreado, o vizinho ao lado, atraído pelo barulho, abriu sua porta para ver o que estava acontecendo. E o que ele viu foi um velhinho magrinho, pequenino, nu em pelo, expulsando com indignação um baita homão de seu apartamento. Nosso valente herói contou que, com sua segunda atenção, reparou que o vizinho ficou mais abismado do que assustado e que, a julgar pela expressão do seu rosto e olhar, pensou em várias possibilidades, inclusive a de que se tratava de um cliente insatisfeito expulsando um michê de sua casa e, desconcertado, rapidamente fechou sua porta.

O fortão aproveitou o incidente para se escafeder pelas escadas e, depois disso, talvez tenha resolvido abandonar suas atividades de amigo do alheio para se dedicar a algum trabalho honesto. E o nosso herói voltou para o seu quarto para se vestir e provavelmente fazer uma prece em intenção à alma desgarrada do ladrão frustrado. E o vizinho deve estar até hoje pensando coisas escabrosas e inconfessáveis sobre o acontecido.

(este causo aconteceu com o pai de uma grande amiga minha, nos idos dos anos 70)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 10/09/2009
Reeditado em 28/03/2010
Código do texto: T1802603
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