Teatro do Absurdo - A Crônica

A TV ligada enquanto trabalhava era de praxe, mal prestava atenção a ela.

Foi só quando ouviu o nome do amigo que largou o pincel de lado e pôs- se a assistir ao telejornal.

"... ele, um senhor já idoso, é considerado o maior contrabandista do mundo."

"Foi preso no fim da noite do dia 24 em posse da mercadoria ilegal, que, segundo os federais, já estava pronta para ser distribuída por toda a cidade durante a madrugada."

"Aquí ao meu lado está o delegado responsável pela operação, batizada como Boneco de neve, Doutor Pedro Lobo."

"Além de contrabando, por quais outros crimes o suspeito deve responder Doutor?"

"Bom dia Cristina! Bom, a lista é grande: Sonegação de impostos; Invasão de domicílio; Falsidade ideológica (pois descobrimos que o preso possuia um nome para cada país onde atuava, ou seja, EUA, Alemanha, Brasil, Finlânlia, Inglaterra...); Posse ilegal de animais silvestres (nós encontramos cerca de seis cervos na fábrica onde os produtos eram confeccionados.); Trabalho escravo e cárcere privado (pois os funcionários da fábrica eram forçados a dormirem no estabelecimento e trabalharem sem receber sequer salários.); E por último, mas não menos importante, estamos levantando provas para indiciá- lo por pedofilia, já temos dezenas de fotos do suspeitos com crianças das mais variadas idades em seu colo."

"E como ele fazia para atrair essas vítimas, Doutor?"

"Utilizava doces e brinquedos como artifício, Cristina!"

"Obrigado Doutor! Eu sou Cristina Novaes, direto da sede da Polícia Federal, para o Jornal..."

O coelho desligou a TV e pensou aborrecido.

"Pobre Noel!"

Pegou de volta o pincel e continuou pintando seus ovos.

Nota do autor: Sei que este conto surreal pode parecer não ter ligação com os outros textos deste local dedicado a postagem de crônicas, eu mesmo o havia publicado apenas na seção contos/surreais há meses, mas hoje, assistindo aos telejornais durante a tarde, me lembrei do motivo que me levou a escrevê- lo:

O Sensacionalismo!

Verdadeiras caçadas as bruxas são promovidas e executadas antes que se tenha solidez nos fatos, tudo por índices de audiência e tiragens.

Casos como o da escola Base continuam acontecendo mas passaram a ser normais.

Como as operações de nomes mirabolantes da polícia federal: Satiagarra, Navalha... (Deve ter um funcionário apenas para bolar um nome para elas, aliás, se houver, ele deveria ser contratado pelos jornais impressos para escrever as manchetes!) inúmeras operações para inglês ver... Pela TV! Pelo rádio! Pelos jornais! Num imenso teatro armado onde, no fim da peça, todos os atores vão para casa.

É o que acontece, ninguém fica preso e só quem é lesado é o "respeitável" público que deixou seu dinheiro na bilheteria.

Vivendo, juntamente com o repórter com quem trabalho, de mãos atadas (porém limpas! Um dos motivos pelo qual nos exilamos na madrugada) nessa realidade, comentei com ele, em tom de brincadeira, que o absurdo era tamanho que qualquer dia teria uma operação para prender o Papai Noel como contrabandista. Começamos a divagar sobre o fato e os possíveis artigos pelos quais ele assinaria e, enfim, surgiu um conto que de forma lúdica fala sobre inocentes sendo cruscificados para o entretenimento alheio e com grande parte da população vendo absurdos acontecerem como se fosse a coisa mais normal do mundo, sem se darem conta que poderia ter sido com eles.

Por esses motivos precisava publicar aqui este conto que, exatamente por ser surreal, mostra muito bem a realidade em que vivemos.

Eleazar de Santa fé
Enviado por Eleazar de Santa fé em 08/09/2009
Reeditado em 09/09/2009
Código do texto: T1799641
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