A vida e os sonhos virtuais
Se prestarmos um pouco de atenção, veremos que, ao escrevermos “sonhos virtuais”, estaremos simplesmente cometendo um pleonasmo (subir pra cima, encarar de frente etc.), porque, ao usarmos o sonho no sentido de algo que almejamos, seja para um futuro próximo ou não, seja para nós mesmos ou para nossos descendentes, ou ainda para a humanidade, ele então passa a ser automaticamente um elemento virtual por excelência, já que o sonho, neste caso, torna-se em alguma coisa similar a fantasia, a desejos ainda não palpáveis, criados na imaginação. Justamente, o que caracteriza o mundo virtual é o fato de ser ele absolutamente abstrato, não palpável, sem a materialidade que nós conhecemos, onde os acontecimentos são criações projetadas em um ambiente ilusionista, dando a representação da realidade possível pela imaginação. Quando usamos o computador para “viajarmos” pela internet, simplesmente estaremos interagindo com imagens virtuais, que são controladas pela nossa vontade, da mesma forma em que usamos o sonhar para “voarmos” com nossa imaginação para uma projeção de acontecimentos.
Até aqui mostrei a similaridade entre sonhos e virtualidade, o que reforça a redundância que fiz questão de usar neste texto. _Por quê? Apenas porque quero defender uma tese de alta profundidade filosófica, a respeito de comportamentos padrões, preconcebidos por paradigmas ultrapassados, frutos da preguiça mental que grassa pela humanidade. Atualmente as pessoas enxergam tudo de modo superficial, sem conseguirem chegar ao âmago dos acontecimentos, somente por estarem acorrentados a conceitos simplistas, que não passam de maneiras complicadas de se ver as coisas simples.
Vou usar uma estória que servirá de pano de fundo para o que estamos tentando transmitir:
“Em um dia qualquer, alguém muito atribulado entrou em um restaurante para almoçar e, ao mesmo tempo em que pediu a refeição, colocou seu laptop sobre a mesa e já começou a digitar, consultando a internet, de forma tão absorta, que não percebeu a presença de um menino que lhe pedia um pedaço de pão, se possível com manteiga, pois a fome lhe consumia. No momento em que percebeu o drama do moleque, e com intenção de se ver livre para continuar o seu trabalho, ele resolveu pagar-lhe uma refeição. Acontece que o rapaz conseguiu cativá-lo ao começar a lhe fazer perguntas sobre o computador e a internet, a ponto de ele começar a dar explicações ao menino a respeito do mundo virtual, querendo mostrar-lhe que nessa dimensão podemos navegar sobre quaisquer dos nossos sonhos, procurando torná-los realizáveis. Como resposta ao que havia aprendido, o garoto declarou: _Eu apenas sonho em ter uma família normal, pois meu pai está preso, minha mãe sai pra trabalhar logo cedo e só volta à noite e eu fico cuidando do meu irmãozinho, muitas vezes dando ’pra ele’ apenas água, dizendo que é sopa; também tenho uma irmã de quinze anos que sai cedo, dizendo que vai vender o corpo, só que ela volta mais tarde, sempre com o mesmo corpo. Como não tenho computador, será que nunca vou ter uma vida virtual ‘que nem’ eu sonho?”
Acredito que todos já perceberam onde eu quero chegar – vejam que, para aquele moleque, o sonho, que seria impossível de alcançar mesmo com um computador, era apenas o de ter uma condição de vida que para nós está dentro do mundo real, ou seja, nós podemos sonhar até em adquirir um carro novo, ou de comprar uma casa maior, ou então ainda terminar o curso superior para conseguir um emprego melhor. O fato de possuirmos uma família estruturada, sem passarmos fome, ou de não termos que deixar uma criança em casa, cuidada por um pré-adolescente infeliz, sobrevivendo às custas de uma irmã prostituta, nos permite o luxo de não percebermos que essa nossa vivência, que é apenas uma realidade para nós, não passa de um exemplo de mundo virtual para muitos.
A nossa vida real, mesmo que humilde, pode ser o “sonho virtual” para aqueles que têm a consciência de sua situação miserável, sem maiores perspectivas de alcançar uma condição humana de convivência social, daí o desvirtuamento para o mundo real do tráfico de drogas e outras mazelas, onde os sonhos não existem mais. _Pois é, cadê o pleonasmo?