Aquela que me fez enxergar esta
Já era tardezinha, aquele clássico horário em que o sol resolve se despedir da forma mais singela e da qual você só se dá conta que ele realmente se foi quando de fato é posto um azul escuro no firmamento.
Saí andando pelas ruas em direção à minha casa, aquela que vez em quando dou as caras para lembrar que continuo vivo. Virei à esquerda como não de costume, afinal de contas, não estava lá com muita pressa mesmo, e pegar o caminho errado talvez me levasse à um lugar no mínimo mais interessante.
Em vão, logo de cara me dei com uma igreja, onde todos gritavam com ardor e entusiasmo. Mais em frente me dei com um butiquim de meia tigela, como aqueles que um dia cheguei a frequentar, resolvi então dar uma olhada no local, pedir um refrigerante, quem sabe.
Mas foi ali então que vi pela primeira vez, Joana, com sua saia rodada e avental na cintura, cabelos presos como quem é privado da liberdade que lhe é direito.
Ela vem ao meu encontro, eu espero ansiosamente a sua chegada como se fossem horas de distância, o que levaria no máximo alguns poucos segundos, isto é, se ela não se distraísse com outra mesa, mais interessante do que a minha, com pessoas mais interessantes do que eu. Foi o que aconteceu, e me convenci logo de que a seus olhos, nada em mim era digno de atenção.
Me conformei, crente de que ao ouvir minha voz, chegar perto de mim, tudo isso mudaria, não que fosse pretensioso, era apenas uma esperança interna, afinal, não sou dotado de grande confiança.
Veio me atender, minutos-horas depois, com a voz a cansada e com um leve desdém na ponta da língua:
- Vai querer o quê?
Eu apenas saboreei a essência de suas poucas palavras, esquecendo até o desdém que elas traziam, porém, tal demora a responder a pergunta tornaram sua face enrugada e sua feição pavorosa.
- Afinal meu senhor, vai ficar esquentando o banco aí, ou vai pedir alguma coisa?
- Aguardente, por favor.
Aguardente, até me esqueci há quanto tempo não dizia esta palavra, há quanto tempo não sentia o gosto dela, gosto que agora desce ardendo pela minha garganta “revirginada” em quanto observava aquela, que prefiro chamar apenas de aquela.
Aquela mulher, aquela menina, aquela velha. Todas juntas em uma só.
Puxei seu avental num ímpeto, ela apenas me olhou como quem olha a um bêbado, coisa que eu não estava. Fui atrás dela como um bandido, sem que ela percebesse, foi entrando na cozinha e eu atrás, quando percebeu e repentinamente se virou irritada:
- Largue do meu pé, maluco! Bêbado!
Tamanha minha loucura, peguei as primeiras flores que vi no jardim da casa vizinha, e me dei a implorar que as aceitasse.
- Zé, tira esse louco daqui! Eu não quero ter problema, esse cara ainda var dar problema!
Passei a gritar, implorar por seu amor, implorar que aceitasse meu amor repentino e sem antecedentes, gritava como um louco, como se daquilo dependesse a minha vida, o que no momento, de fato dependia.
Garrafas e copos foram atirados contra mim, na tentativa de me parar, parar meu amor. Luzes de casas e apartamentos se acendiam, pessoas na rua apareciam, mas meu desejo sobressaía qualquer vergonha ou coisa parecida.
De repente, como uma sombra, uma ilusão, surgiu minha esposa, minha mulher, aquela que há tanto tempo não amava, não sentia, não via. Seus olhos enxaguados me encaravam, mas não me viam.
Eu então retornei, voltei à realidade, voltei no tempo, num tempo em que um dia amei minha mulher. A aguardente sumiu das minhas veias e da minha mente numa velocidade inexplicável. Voltei a enxergar, aos meus olhos nada daquela, e sim esta.