À DERIVA
Outro dia meu irmão me ligou para contar que o primeiro texto que um professor de seu filho na faculdade de economia em que ele havia ingressado propôs para estudos, foi o manifesto comunista de Karl Marx. Mas falou com uma espécie de satisfação redentora. Como quem suspira aliviado diante do fôlego readquirido após um mergulho profundo e sufocante É que saíram do centro das elucubrações acadêmicas as dicotomias entre o sistema capitalista e comunista. Eram o motor dos grandes e profusos debates que tanto aqueciam a fervilhante e empolgante vida acadêmica, política e social de tempos memoráveis. O capitalismo está aí firme, forte e esse negócio de revolução, de socialismo, comunismo e outros ismos mais à esquerda já foram enterrados, quer dizer foram derrubados e não guardaram nem os tijolos para contarmos a história depois. As idéias destoantes do senso comum já foram imponentes e se tornaram uma afronta impotente. Pelo animado tom de sua voz notei que deve ter sentido que nem tudo está perdido no inabalável consenso a que chegou a nossa educação formal. Consome-se hoje em dia muita informação genérica e de pouco alcance na solidificação de conceitos, formação de opiniões e idéias transformadoras. A renovação que se dá é pela troca de uma coisa por outra, simples, objetiva, pragmática. Tudo muda o tempo todo para permanecer como está. Não se faz conexão, não se exercita mais a dialética.
Estamos à deriva numa arca repleta de seres, a reboque não de um só homem, mas de uma só verdade e expostos e passivos ante as tempestades, calmarias, tubarões, escassez e fartura. Vigiados eletronicamente, ocupados com o vazio da existência, perseguindo uma felicidade escondida atrás de portas de lojas. E impassíveis. E quem discordar, assino em baixo porque a exceção confirma a regra. Senão, o que seria de Nélson Rodrigues, com toda “unanimidade é burra?”
E estejamos combinados; uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.