Digressões oníricas
Itamaury Teles
Eu tive um sonho. Viajava em moderna aeronave, que decolara do aeroporto internacional de Montes Claros. Era um dos passageiros do voo 007, da “Air Pequi” - uma binacional franco-brasileira -, com destino a Paris, que saíra com atraso, em virtude de problemas de “overbooking”, decorrentes da venda de passagem superior à capacidade do avião. Tive que usar até da influência do “operário padrão” Massarico com os aeronautas, para embarcar. Afinal, segundo a Madre Superiora, quem não tem padrinho, morre pagão.
Antes de entrar em velocidade de cruzeiro, o “Aribu-de-gravata A-580” sobrevoou a cidade. Lá de cima, vi uma grande metrópole com seus mais de um milhão de habitantes. Prédios em profusão a sumir de vista. O Morro Dois Irmãos, símbolo da cidade, não mais existia: havia virado pó e tinha sido ensacado em forma de cimento. No seu lugar, brotaram dois lagos, resultantes das escavações em busca do calcário e de chuvas torrenciais que mudaram completamente a paisagem local. Por falta de matéria-prima, a fábrica de cimento, com suas altas chaminés, tinha sido transformada em “shopping center”. O ar da cidade estava mais límpido e respirável...
Durante a viagem, aeromoças com sotaque baianeiro serviam sanduíche de carne-de-sol, suco de coquinho azedo e paçoca de carne feita em pilão pelo João Maia, com a legítima farinha do Morro Alto. Só senti falta da farofa de andu com torresmo... Os franceses, que ocupavam poltronas ao lado da minha, olhavam com asco para a exótica refeição, considerada um deleite para os norte-mineiros...
Uma aeromoça me enchia de atenção. Depois, vim a saber o porquê. Ela já me conhecia de há muito, pois lera meus livros e, pasmem os senhores, havia nascido em Porteirinha, ou “Little Gate”, como ela se referia à nossa cidade natal, em seu inglês escorreito.
Não nascera exatamente na cidade, mas na região próxima à bela cachoeira do Serrado, num lugar com o bucólico nome de Furado Sujo, por onde passaram componentes da Coluna Prestes, nos anos 20 do século passado.
Ela percebera a minha apreensão com os solavancos da aeronave, principalmente depois do recente desastre que ceifou a vida de centenas de pessoas, e sempre que passava por mim, no seu vaivém constante pelos corredores, me traquilizava, oferecendo-me suco de maracujá do mato.
Mesmo com tanto suco, acordei com uma sede danada. Suspeito que tenha sido resultado do sanduíche de carne-de-sol. Estava salgado demais da conta. Com aquele destempero, tenho certeza de que o autor da gororoba jamais frequentou aulas do “Chef de Couisine” Marcelo Freitas, um “expert” em joelhos de porco, acepipes e coisas que tais...
Percebi, então, que não voava coisa alguma. Aqueles sacolejos de percurso não eram provocados por turbulências no ar rarefeito, mas pelos inúmeros buracos na rodovia, por onde um resfolegante ônibus trafegava, tendo-me como passageiro.
O meu destino, agora estava claro, não era Paris, mas para a pequena Patis, aqui mesmo próximo a Montes Claros.
No ponto de ônibus, aguardavam-me os amigos Pedrinho da Antártica e Florival Cardoso – conhecido por Gal – que ali estavam com as esposas e irmãs, passando um fim-de-semana na fazenda da sogra.
Com tanta confusão e digressões mil, voltei realmente à vigília e vi que experimentara a incrível sensação de sonhar dentro de outro sonho.
Levantei e tomei um copo duplo d’água. Eram 4 horas da manhã. Retornei para a cama, esperando melhores sonhos...
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