Segundo Primeiro Passo
Genial o título, não?
É, eu sei o que está passando pela cabeça de vocês: "Mas que porcaria é essa?". Bom... creiam-me, o título faz sentido.
Como começa uma história? "Com 'Era uma vez...'", vocês dirão. Bem, de certa forma, é isso mesmo. Mas, de forma menos literal, toda história começa com um ato fora do cotidiado. Prestem atenção: Qual fato motiva todo o enredo do conto da "Cinderela", por exemplo? A rotina de faxinas e humilhações pela qual a pobre jovem tem de passar todos os dias? Não. A trama se baseia no desejo do Principe em se casar. Tudo começa com o tal baile que o nobre inventa pra arranjar uma esposa. Algo fora da rotina, um evento impar.
Legal, mas e aí? Bom, esse baile, no caso do conto, pode ser considerado como o primeiro passo. O fator que determina todo o desenrolar da cadeia de eventos da história. O que podemos entender disso? Que cada evento marcante em nossas vidas só acontece quando algo fora da rotina nos acontece. Parece óbvio, mas tem significado. A vida é um pequeno ciclo. Os dias são iguais, com seus eventos iguais, encontros iguais, resultados iguais. São os acontecimentos aleatórios que fazem a diferença. Eles são o primeiro passo para tudo o que de novo nos acontece. São o gatilho para a nossa evolução.
Quer dizer, não fossem as coisas foras do comum que acontecem, nós ainda viveriamos em cavernas, comendo carne de mamute e vestindo folhas de bananeira.
Bom, explicado isso, vamos para o real sentido do texto. Se toda história tem um primeiro passo, e tudo na vida tem começo, meio e fim, é natural que se suponha que todo fato terá também seu último passo. O derradeiro, o declínio, o marco final. Se no conto da Cinderela o baile é o primeiro passo, o casamento dela com o Principe é o último. E o que vemos disso? Percebam: mesmo que o tal evento aleatório tenha gerado uma cadeia de eventos diferentes do cotidiano, ele não irá criar infinitas situações. Chegará um momento em que a história irá acabar. E o fim da história pode acontecer de duas maneiras: um evento igual e oposto ao inicial, ou o fim dos acontecimentos e o retorno à rotina.
Mais uma vez, citando a história da princesinha de sapatos brilhantes, percebam que o casamento seria o término óbvio da história do baile. Afinal, o baile só foi realizado por haver a necessidade de se fazer um casamento. Logo, o matrimônio é o evento de igual importância e de valor contrário ao do baile. É o fechamento lógico da cadeia de eventos. Tudo que aconteceu culminava para isso.
Agora, imaginem que a Cinderela não tivesse perdido o sapato de cristal nas escadarias do palácio. O Principe não teria como encontrar sua amada e, por estar enamorado pela moça, não escolheria nenhuma outra para ser sua esposa. O baile terminaria sem sucesso, o Principe solteirão, as donzelas do reino ainda donzelas... Enfim, tudo exatamente igual a como começou. A cadeia de eventos não se fecharia. Ficaria em aberto, com seu término pendente. A história ficaria pela metade.
E é nesse ponto que entra o infame "segundo" primeiro passo. O Principe ainda precisa de uma esposa. Cinderela está apaixonada, mas não tem como provar que é a moçoila que bailou com o burguesinho no palácio. A vida volta à rotina, tudo igual. Faxinas por parte da garota, solidão na sala de tesouros por parte do rapaz. Até que alguma coisa aleatória aconteça e faça com que os dois tenham uma segunda chance. Seria necessária uma nova cadeia de eventos para poder encerrar o que a primeira deixou pendente. Será necessário um segundo primeiro passo, um novo começo.
Enfim, a explicação ficou mais longa do que eu desejava. Mas o ponto onde eu realmente queria chegar era este: Muitas vezes em nossas vidas, certas coisas acabam antes de completarem-se. E nós, ingenuamente, acreditamos que aquilo seja o limite. Nós lamentamos, reclamamos de nosso azar, sem sequer pensar em uma maneira de completar o que ficou sem encerramento.
Pense aí, com seus botões, quantas coisas você queria ter feito e não fez. Aquela dieta de ano novo, que você até começou, mas deixou pela metade. O seu projeto de empresa, que você começou a bolar mas que abandonou pela metade. Essas coisas, você realmente acha que elas acabaram? Sim, acabaram. Mas somente se você aceitar o seu fim.
Quando se para para refletir (com a queda do acento diferencial, certas frases ficaram engraçadas...), sempre há a possibilidade de recomeçar. Nós só não temos coragem. Muitas vezes é mais seguro deixar que as coisas morram. Nos causa menos sofrimento. Porém, não é saudável deixar que as coisas terminem incompletas. Sabe-se lá quanta felicidade nós estamos perdendo, simplesmente por medo de dar um "segundo" primeiro passo. "Recomeçar" é uma bela palavra, mas assusta.
Bom, fica o aviso para vocês: O Principe podia ter deixado as coisas terem acabado quando viu sua amada correr porta à fora ao soar do relógio. Mas ele teve coragem para dar o segundo primeiro passo, catar o sapato de cristal no pé da escada e ir procurá-la.
Faça o mesmo. Tente recomeçar. Se esforce. Aposto que a recompensa será muito melhor. Mesmo que a ideia de vender o sapato de cristal no Mercado Livre e torrar todo o dinheiro em sorvete de flocos e filmes românticos pareça tentadora...