Letras e palavras

Quando leio, saboreio. Não desfruto só da história, do conteúdo, mas das palavras também. Elas têm gosto, cheiro, som, textura, cor, beleza, sentimento. Muitas vezes me pego prestando mais atenção no ritmo, na cadência e no significado isolado de cada palavra do que no próprio contexto. Aí preciso reler o texto para captar sua outra nuance. Sou um homem de palavra.

Já escrevi que sou amante das palavras. Faço amor com elas, tal como Rubem Alves, que disse que “ler é fazer amor com as palavras”.

Então, disseram que sou amante das letras. A área do conhecimento chamada “Letras” é bem abrangente. Mas, como disse, eu me apego antes ao significado da “palavra”. As “letras” são partes sem significado. (Acho que o pessoal da área de Letras vai ficar bravo comigo com esse meu devaneio, porque “Letras” não são as mesmas “letras” de que falo agora.)

Tudo bem que sem as letras, as palavras também não existiriam, mas por outro lado, sem o significado das palavras, as letras não serviriam para nada.

É como o caso da definição de “dado” e “informação”. Dados são símbolos sem significado isolado. Informação é o dado com significado, o dado trabalhado ou processado. Letras são dados, palavras são informações. Palavras são formadas por letras, mas um grupo de letras não necessariamente forma uma palavra.

Leia:

“De aorcdo com uma peqsiusa

de uma uinrvesriddae ignlsea,

não ipomtra em qaul odrem as

Lteras de uma plravaa etãso,

a úncia csioa iprotmatne é que

a piremria e útmlia Lteras etejasm

no lgaur crteo. O rseto pdoe ser

uma bçguana ttaol, que vcoê

anida pdoe ler sem pobrlmea.

Itso é poqrue nós não lmeos

cdaa Ltera isladoa, mas a plravaa

cmoo um tdoo. Sohw de bloa.”

Entendeu? Como diz o texto acima, o cérebro só lê a primeira e a última letra de cada palavra. Então, se trocarmos algumas letras no meio da palavra, ainda conseguiremos compreendê-la. Existem pesquisas científicas sobre isso.

Experimente ler este agora:

35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R COMO

NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35!

R3P4R3 N155O! NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45

N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO QU453

4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO?

POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O! SU4 C4P4C1D4D3

M3R3C3! P4R4BÉN5!

Outro exemplo é a forma com que se fala no dia a dia. Tem gente fominha que “come” as letras: “cê”, “tá”, “brigado”. E as entendemos.

Ou seja, nem sempre as letras fazem falta! Mas as palavras, sim, são indispensáveis. Uma única palavra forma uma frase. Podem ser palavras curtas monossilábicas, palavras abreviadas, inventadas, modificadas, mas sem palavras não há diálogo. Até o diálogo silencioso usa palavras implícitas, não ditas. Absolutamente sem palavras não há vida.

Já disse e repito as palavras de Octávio Paz, porque são verdadeiras e porque gosto delas: “A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho da nossa realidade. (...) As palavras não vivem fora de nós. Nós somos o seu mundo, e elas, o nosso.”

(Catalão, 15/08/2009)

Hélio Fuchigami
Enviado por Hélio Fuchigami em 06/09/2009
Reeditado em 06/10/2009
Código do texto: T1795576
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