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A Minha Segunda e Derradeira Crônica


          Tentando vencer o vício de esmiuçar a vida cotidiana e colocar isto em papel, me rendi à tentação de escrever esta segunda crônica, além de shoppings, existe outro local com riquezas de acontecimentos que nos induzem a persistirmos no prazeroso vício de analisar a vida alheia: cidade de interior.
          Cidade de interior sem sombras de dúvidas é o local onde mais se encontram bêbados e doidos por metro quadrado, os doidos não incomodam quase que nada, vivem em seus estados fantasiosos servindo muitas das vezes apenas de chacota para aqueles mal intencionados, porém, bêbado de interior é um ser inconveniente por natureza, falam cuspindo, exalam um forte odor de cana de cabeça por onde passam, e o mais incômodo, não sabem trocar algumas palavras com qualquer pessoa sem estar querendo apertar a mão e tocar no ombro de quem quer que vejam, eles são comumente encontrados naqueles botecos, que é o que mais se tem em interior,botecos com grandes mortadelas ensebadas penduradas, aqueles balcões de madeira e um cheiro característico de pai de chiqueiro ou algo parecido, servem para matar o tempo, mas a hora da retirada é quando se reúnem no local mais de dois destes bêbados, a cusparada em sua cara, o odor e as tentativas de intimidade tornam-se insuportáveis.
          A cidade de interior em sua grande maioria é formada de pessoas que não tiveram oportunidades de sobrevivência em alguma capital, as que retornaram sem êxito, e algumas poucas que lá se fincaram por opção própria e que vivem muito bem, comerciantes, médicos que residem no lugar onde nasceram e que viveriam bem em qualquer local do país, fora a espera de chuva para amenizar a seca que quase sempre assola a região, gente do interior não se preocupa com nada, não existem engarrafamentos, violência, o estresse das grandes cidades, as pessoas idosas ainda se reúnem nas calçadas todas as noites, comumente para falarem da vida dos outros, contarem causos intermináveis, causos estes que são contados e recontados, normalmente são contadas as  fantasiosas histórias das botijas de ouro, faça sempre uma cara de estar acreditando fielmente, toda pessoa mais vivida do interior alega conhecer algum afortunado que mudou a vida ao encontrar tal metal precioso no fundo de seu quintal,andarmos a pé no interior, nos dá a ligeira sensação de estarmos cagados, os olhares desconfiados e curiosos voltam-se de um quarteirão a outro a nossa espreita, no mais, as pessoas são muito agradáveis e muita das vezes permeadas de uma ingenuidade que minha filha de quatro anos já esqueceu.
          Interior é um convite à beberagem, fora o descanso mental que a cidade nos proporciona, o nosso fígado muitas das vezes fica ansioso para que retornemos a rotina normal das grandes cidades, pois, não há muito o que se fazer por lá, a não ser ficar escutando os causos repetidamentes contados dos idosos de beira de calçada, ficar se esquivando dos inconvenientes bêbados que comumente só andam e atacam em grupo, e observar aquele ar despreocupado do povo em geral, todo cardiologista devia prescrever aos seus pacientes pelo menos uns dez dias por ano em cidade de interior, acalma, revitaliza e adia sobremaneira o quase que certo infarto do miocárdio ocasionado pela vida conturbada das grandes cidades...
O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas)
Enviado por O Poeta do Deserto (Felipe Padilha de Freitas) em 06/09/2009
Reeditado em 23/10/2015
Código do texto: T1795489
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