ENTRE ASPAS

O carro do meu amigo estava lá, janela aberta, porta destrancada, um convite ao furto. O lugar não era comum, considerando-se a sua situação civil, mas ninguém está, muito pelo contrário, impedido de freqüentar tal lugar, um motel, com a esposa. Também este é o meu caso. Porém, os fatos tornaram-se de tal forma irresistíveis que não vou guardar somente para minhas memórias.

Enfiei a mão pela janela do carro pensando em uma brincadeira, das tantas que este meu amigo e eu praticamos no metro de nossa longa amizade e retirei a frente destacável do seu rádio. Guardei para me divertir depois. Um dia após o ocorrido encontrei-o em um dos lugares que freqüentamos. Conversamos sobre vários assuntos e nada dele citar o fato, apesar de várias sugestões que eu dei, claro, implícitas nos contextos. Passou mais alguns dias, vários encontros, muitas dicas desperdiçadas e como ele não se manifestava comecei a ser explícito. Comentei abismado sobre o atual estágio da nossa segurança. “Imagine que tive a frente do meu rádio furtada durante o dia, em pleno centro da cidade!” - disse-lhe. E completei: “se tu souberes quem tem para vender uma frente de CD marca tal e tal, me avisa”. Bingo! Palavras dele: “Pois tu sabes que comigo aconteceu a mesma coisa! Não exatamente comigo, mas dia destes emprestei meu carro para minha mulher ir ao mercado e em lapsos de minutos, segundo ela, levaram também o meu rádio!”. E completou: “a pobrezinha chegou em casa num estado deprimente que parece ter levado uma surra”.

Bem, não sei o que faço com a frente deste rádio. Já pensei em jogá-la no de cima da ponte para que o rio afogue o testemunho de uma quase desgraça. Já pensei em devolvê-la por Sedex, apócrifo. Voltei pilhas de vezes àquele motel, inclusive só, para desconfiança do porteiro. Enfim, não sei o que faço. O que sei é que de fato naquele dia ela deve ter mesmo levado muita porrada.

Nota: querido amigo, caso esteja me lendo saiba que sou apenas um pseudônimo e que qualquer semelhança é mera coincidência. E que, por fim, isto é uma crônica e não uma reportagem.

jair portela
Enviado por jair portela em 06/09/2009
Reeditado em 06/09/2009
Código do texto: T1795410