UMA FILHA NOTA DEZ!

Parece que foi ontem. Lembro-me bem de quando eu coloquei as suas malas no porta-bagagem do carro e ela sentou-se no banco atrás de mim. Íamos no rumo da terra de José Lins do Rêgo e Augusto dos Anjos; íamos em busca da cidade onde está localizado o ponto mais oriental das Américas: a Ponta do Seixas. A cidade que, por isso, ficou conhecida, turisticamente, como “a cidade onde o sol nasce primeiro”. A Paraíba das mulheres destemidas.

Saímos ao amanhecer. Enquanto o sol não clareava o escuro do céu, eu recordava a menina que chorava todas as vezes que eu ia sair de casa para trabalhar. Ela não entendia a necessidade disso, por isso chorava.

Enquanto o carro rodava, acelerando seu motor para engolir a estrada a sua frente, assim que os primeiros raios do astro-rei, a nossa frente, nos iluminaram, deixando a Terra com tons avermelhados – porém, sem causar a cegueira instantânea se olhássemos para ele -, eu olhei pelo retrovisor e a vi olhando, pela janela lateral do veículo, o novo mundo que se desenhava a sua frente. Pelas breves frações de segundos que eu me permiti observar seu olhar, pude notar um olhar pensativo, distante, quase que vazio.

Talvez seus pensamentos fossem os meus pensamentos. Quem sabe, eles quisessem percorrer os mesmos caminhos que as minhas reflexões estavam percorrendo naquele instante. No entanto, nunca perguntei o que ela, de fato, estava pensando, o que ela via através da janela do carro, enquanto olhava a paisagem lateral onde o mato verde se fazia presente e as garças pintavam de branco os pastos onde o gado ainda ruminava o alimento. Eu nunca lhe perguntei. Mas sei, por experiência, que seus pensamentos esbarravam no medo do desconhecido, na dúvida sobre o seu futuro e na saudade que iria sentir a partir daquele momento.

Quando chegamos ao seu novo destino, buscamos a sua moradia. Estivemos por lá mais tempo que o combinado. Ela relutava em nos deixar voltar. Inventava coisas, chorava, pedia que ficássemos mais um dia. Nós fomos ficando até não podermos mais. Tínhamos que voltar. Existiam compromissos. Na despedida, eu aperto no coração, uma lágrima que teimava em molhar meu rosto, uma descida rápida sem olhar para trás e uma passada com o dorso da mão, no globo ocular – isso sem que ninguém visse.

No caminho de volta para casa, enquanto o sol caminhava ao meu lado, fazendo o mesmo trajeto, desta vez, pelo lado direito do carro, eu pude ver um pouco de tristeza em seus raios dourados. Não que fosse ele chorando a minha tristeza de pai. Eu pensei que fosse. Não era. Eram somente meus olhos marejados que disputavam a beleza do entardecer, que ele proporcionava, com a angústia de um retorno sem a presença de Poliana no banco de trás do carro.

Isso já faz quase cinco anos. Nesse período ela cresceu, amadureceu, tornou-se independente de nossas asas. Conheceu novos horizontes. Fez-se respeitar. Evoluiu. Veio e voltou inúmeras vezes. As oito horas dentro de um ônibus não a impediam de vir visitar seus entes queridos: pai, mãe, irmão, primos, avós.

Esta semana, a menina que saiu em busca de seus sonhos, que olhava o horizonte de um amanhecer com olhos quase que perdidos pelas reflexões interrogativas, galgou mais um degrau: formou-se em Comunicação Social na habilitação de Jornalismo.

Ao ligar para a mãe, logo após a defesa de sua monografia, ela deixou evidenciar a alegria que sentia e o peso que esses anos tiveram em sua caminhada. Foram risos, choros, exaltação, agradecimentos. Segundo ela, “graças a Deus, tirei um piano das costas”.

A recompensa para todas as dificuldades dos primeiros dias, meses, anos, das inúmeras vezes que ligava chorando com saudade de casa, dos parentes e dos amigos, veio em forma de nota: TCC nota 10!

Parabéns, minha filha. Você é grande em bondade de espírito e isto a ajuda a superar todos os desafios, pois a áurea que a envolve está repleta de uma energia positiva que a faz ultrapassar, sem precisar infringir nenhuma regra, todos os obstáculos.




 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 06/09/2009
Reeditado em 06/12/2011
Código do texto: T1795168
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