O TOTÓ DEU O EXEMPLO
No pátio da minha casa um cachorrinho vira-lata fazia-se de guarda e chefe da guarda da propriedade. Mas o Totó, como o chamávamos, tinha lá suas esquisitices. Quando não estava no exercício das suas “graves” funções de guarda, achava sempre uma peça – animada ou inanimada – que lhe servisse de brinquedo. E ficava horas com seu “brinquedo”, entretendo-se.
O curioso nisso tudo era o tipo de brincadeira que o Totó escolhia para se divertir. Na maioria das vezes era o seu próprio rabo. Vendo-o abanando por uma razão ou outra, borboleteava atrás dele, descrevendo círculos e mais círculos, até cansar-se do brinquedo.
Todos os dias eu via a mesma cena da janela. Eu próprio me divertia com as maluquices do cão... e escrevia. E, escrevendo, notei que muitos dos meus textos não satisfaziam meu gosto literário; não preenchiam o que eu queria do meu ofício de escritor, por mais que amasse escrever. Pensei nas manias alouquiçadas do Totó. Se ele tinha tanta outra coisa para o seu lazer, por que brincava com o próprio rabo? Podia, por exemplo, brincar de correr atrás de um galo – que queria ser o rei do terreiro. Divertir-se-ia bastante com suas asas caídas correndo da sua própria impotência de enfrentar seu rival! Mas não, brincava com o próprio rabo. Concluí que o cão havia inventado esse novo brinquedo para divertir-se com o que, na sua filosófica avaliação canina, tinha de mais alegre em seu corpo – o rabo.
As letras, formando palavras e com as palavras afivelando frases e períodos para compor textos literários, sempre foi o que de mais divertido se me apresentou. Seriam elas – as palavras – o meu brinquedo?
Eu sempre tivera em profusão as ideias, e ao esparramá-las sobre folhas e folhas de papel, embora que com rapidez escrevesse e cuidasse de colocá-las na ordem correta do significado, ao lê-los – os meus escritos – considerava-os muitas vezes desancados, sem a ginga graciosa da palavra. Lembrei que o rabo do Totó era redondinho, pêlos curtos e, no seu todo, bem acabado. Sugeri para mim mesmo que eu – e todos os que lessem os meus textos – tivessem o mesmo prazer que o Totó sentia ao brincar com seu rabo.
Comecei a nova obra por jazipidar algumas das palavras que usava. Após a estafante jazipidação, que foi aperfeiçoando meu tino literário, passei a entender melhor a escrita e satisfazia-me o trabalho. Uma vez já treinado e, no afã de aperfeiçoar-me cada vez mais, passei a borboletrar, colocando rapidamente cada palavra no seu real e devido lugar e valor dentro da oração e do sentido.
E operou-se o milagre! Passei a gostar dos sons, das cores e dos sabores, eletrizantemente suaves e picantes ao mesmo tempo, que adquiriram os meus escritos. E, brincando com as letras, coloquei o verbo no trono dos obreiros, que forneceram o fertilizante para as rosas virgens na redoma dos jardins do livro.
Milagre do Totó !!!
Palavras inventadas:
BORBOLETRAR: ato de escrever; escrever fluentemente; escrita livre.
JAZIPIDAR: lapidar palavras; dar-lhes sentido.
PS: ESTE TEXTO É PREODUTO DO CURSO DE NOVAS TÉCCNICAS E INOVAÇÕES LITERÁRIAS, ADMINISTRADO PELO SESC.