O ANDARILHO

Roupas empoeiradas, surradas e às vezes precisando de conserto e lavagem, alpargatas gastas, cabelos ressecados pelo vento, pelo sol e pela ausência de um bom banho. Já faz muito tempo que não passa por uma grande cidade. A caminhada é longa e o andarilho já está cansado e sonha com o que deixou para trás há muito tempo. Mochila às costas, violão a tira-colo, caminha vagarosamente pela longa estrada poeirenta que corta a paisagem desoladora daqueles campos ressequidos, onde não há nem uma arvore em cuja sombra possa se abrigar dos raios causticantes do sol e descansar um pouco. A próxima cidade ainda está longe. Naquele ermo sem fim, nota um presença de vida. É um cão faminto que segue seus passos, quase sem força, pelo eriçado,patas machucadas e de tão magro é possível contar-lhe as costelas. Pobre cão, que como ele vaga sozinho naquela estrada. Encontro macabro de duas vidas maltratadas. Um, um andarilho solitário, outro, um pobre cão faminto e enxotado. Andam lado a lado, parceiros do mesmo infortúnio. Sede e fome é o que não lhes falta. Andam juntos até à exaustão esperando o milagre de um abrigo qualquer, quando ao longe, muito longe avistam algo como um oásis, na solidão daquela estrada sem fim. Andam mais e mais até chegarem a um casebre semidestruído, de aparência miserável, completamente abandonado, mas que para o andarilho e seu cão assemelha-se a um palácio. Reunindo as forças que lhes restam, aceleraram os passos e caíram exaustos no c hão de terra batida daquele abrigo inesperado. Ofegantes ali permanecem por muito tempo, sem se mexerem. Aos poucos o andarilho recobra o ânimo, senta-se, vasculha a mochila e ainda encontra um pão endurecido e uma garrafa com água. Bebe um pouco e na mesma caneca faz beber o seu companheiro. Corta o pão em dois pedaços e ambos comem avidamente. Extenuados, ali adormecem até o raiar da aurora de um novo dia. Levantam-se e ambos espreguiçam-se, cada um ao seu modo e reiniciam a jornada. Um sempre ao lado do outro. O andarilho acaricia a cabecinha do cão, que lhe agradece abanando a cauda. Ambos andam silenciosamente. O cão acompanhando o dono que nunca teve e o andarilho em busca do mundo perfeito, da liberdade tão ansiada, do nirvana, desde que abdicou do lar, do conforto, dos amigos e de seu grande amor. O cão encontrou o dono almejado, mas o andarilho jamais realizou o seu sonho. Quem passa pelas estradas, pelas vilas, pelas cidades desse imenso país, sempre encontra o andarilho e seu inseparável cão e assim será até o fim dos tempos.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 05/09/2009
Reeditado em 29/09/2009
Código do texto: T1794601
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