CRÔNICA DE UMA PIZZA ANUNCIADA

Final de tarde, início de mais uma noite. Cansada de um dia de trabalho, chego em casa, tomo um banho, preparo um chimarrão (afinal sou gaúcha!), ligo a TV. Na minha tela aparecem os rostos conhecidos da Fatima Bernardes e do Willian Boner. Casal bonito de se ver, seguros, acostumados com a notícia.

Começa o espetáculo... Eu nunca contei, mas garanto que de quinze notícias que eles dão, no mínimo treze são tragédias. O que a gente vê de bom no noticiário? Um Kaká que ganhou milhões ao trocar de clube, um bombeiro que salvou uma criança da morte, uma instituição criada pelo Criança Esperança, José Alencar que superou mais uma cirurgia, meu time de futebol que ganhou (e se perdeu já é tragédia!) e por aí vai.

O espetáculo continua... E aí vêm as notícias bombardeando nossos corações sensíveis. Choque entre polícia e traficantes no Rio: saldo seis mortos. A polícia errou e mata um trabalhador... trabalhador que esconde o traficante! O policial é afastado, responde inquérito. E onde está aquele que matou o policial num confronto com esses marginais? Porque traficante é o pior dos assassinos: ele mata, através dos nossos filhos, a família toda! Vocês vão dizer: muitos estão na cadeia. Eu digo: sim, estão, e dos presídios comandam o tráfico, o sequestro, o assassinato. Que presídios são esses onde o marginal tem dinheiro para consumir droga, tem celular para se comunicar com o comparsa externo? E ainda tem gente que fica contra a polícia... pobre policial que, por um mísero salário, arrisca diariamente a vida com gente que nem merece ser chamada de gente!

Mudo de canal e o que vejo? Pedófilos sem-vergonhas, criminosos, velhos, avôs e até pais usando crianças para se excitar, deixando marcas físicas e emocionais nos pequeninos que, tenho certeza, ficarão para sempre. Cadeia neles, eu diria! Mas, como desbaratar essa rede de canalhas que usa a Internet para depravar e corromper nossas crianças?

Sou espiritualista, defendo a vida, mas já estou mudando certos conceitos. Pena de morte nos traficantes e pedófilos! Sim, essa onda de tragédias anunciadas me tornou adepta da pena capital. Se não tem jeito, se não recupera, se é reincidente - uma injeção letal resolve o problema, retirando de circulação esses... nem de animais dá para classificar, porque eu estaria ofendendo os irracionais.

Bem, já morreu um policial, já descobriram um pedófilo, o traficante continua com o celular, a criança arrebentada pelo pedófilo foi para o hospital... E agora?

Agora vem a parte central do espetáculo. Aquela que dá, desculpem o termo, vontade de vomitar. Lá estão eles, bonitos de se ver, bem trajados, com pose de artista famoso. Por fora! A podridão moral não atinge o exterior... O mal está no cérebro que cria as mais absurdas situações para benefício próprio destes, que lá estão para atender as necessidades, através de leis, do povo que os elegeu.

O povo os elegeu? Meu Deus, a culpa é nossa! Quem mandou para Brasília o Collor, o Sarney, o Renan? Quem colocou lá outros tantos, e são tantos, que a gente nem consegue citar?

O que me indigna é a cara de pau de certos políticos. Acusados, provas declaradas, CPIs, e o que acontece? Nada. A impunidade é uma das maiores pragas deste País. O cara faz, a imprensa grita dois, três meses, os adeptos (sempre maioria) coligados retiram ou arquivam as acusações. E nós ficamos com cara de bobos, de palhaços, porque mais uma vez nos serviram pizza. Se continuarmos a engolir pizza goela abaixo, logo, logo seremos a nação mais obesa do mundo, superando os norte-americanos.

O crime do colarinho branco é, muitas vezes, mais letal que o crime passional. No crime passional está presente a emoção e alguém mata no furor, na raiva, no desentendimento. Já o crime do colarinho branco é premeditado, é frio, não envolve sentimentalismo: é quase um caso de psicose! Porque o psicopata planeja, retorna ao local do crime e ri!

Quem colocou lá essas criaturas que não dizem a que vieram? Que não têm tempo de aprovar leis em benefício do povo, porque vivem instalando CPIs que não dão em nada? Quem é o mais bandido? eu me pergunto novamente. Quem são os trouxas, os palhaços neste imenso País? Chico Buarque já dizia: "Dormia a nossa Pátria-mãe tão distraída..." E a Pátria continua dormindo o sono dos justos e dos injustiçados...

Por que não fazemos nada para mudar essa situação caótica que virou o cenário político brasileiro? Por que não botamos a boca no trombone, por que a sociedade não exige punição aos infratores? A lei não é uma só? Não é para todos?

Ingênua inocência a minha... No Brasil, há muito tempo, talvez desde o descobrimento, que existem aplicações diferentes da mesma lei. Uma para o ladrão de galinha (será que ainda roubam galinha?), pobre e analfabeto, que rouba para alimentar o filho. Outra para o bem apessoado, que sabe fazer (e como faz!) uso da oratória para angariar votos dos incautos e depois legisla em benefício próprio, esquecendo que quem o colocou lá continua sem comida, sem asistência social, sem escola, sem hospital, sem nada.

Uma justa indignação toma conta de mim e empanturrada (quase com indigestão) com tantas manchetes negativas, desligo a TV ou vou assistir a novela, porque lá, pelo menos, eu sei que é de mentirinha... E me vem a cabeça uma frase de Bertold Brecht: "A mais bela de todas as certezas é quando os fracos e desencorajados levantam sua cabeça e deixam de crer na força dos seus opressores".

Giustina
Enviado por Giustina em 05/09/2009
Reeditado em 14/02/2014
Código do texto: T1794524
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