Na esquina do meu coração
Há um conceito em jornalismo que diz que um cachorro que morra na esquina de casa tende a ser mais relevante do que cem indianos que morram na Índia. Vale dizer, cada um dá mais importância às circunstâncias mediatas do que àquelas que lhe pareçam remotas. Um mundo globalizado e uma mídia voltada à massificação tendem a minimizar isso. Porém, por analogia, em termos psicológicos e comportamentais, por certo, continua valendo aquele conceito jornalístico.
Afinal, o que toca aos pensamentos e emoções de cada indivíduo sempre lhe será mais relevante do que aquilo que toca aos pensamentos e emoções dos demais seres. Independente de empatias, compaixões, solidariedades e respeitosas considerações ao próximo, cada indivíduo tende a sofrer muito mais pelos sapatos aos pés da cama que possam lhe apertar os calos do que pela falta de calçados para crianças descalças em sua cidade, ou mesmo por uma mina terrestre na África que possa amputar a perna de outrem.
Não se pode evidentemente esquecer que existam, de fato, circunstâncias onde pessoas renunciem a seu próprio bem-estar em prol de outras. Contudo, isso não descaracteriza o conceito anteriormente exposto, pois se todo altruísmo é considerado um sacrifício, o é justamente porque contraria o sentido instintivo de autopreservação dos próprios interesses. Além disso, mesmo o altruísmo é algo que inspira as pessoas por ser um apelo que incita a evitar o acúmulo de pesos na consciência e, nesse sentido, também é um tipo de autopreservação moral por uma recompensa de cunho espiritual – ou conforto psicológico; como se queira.
Enfim, tudo isso me veio à mente por um único motivo: há cãezinhos moribundos e agonizantes na esquina do meu coração e, sinceramente, por mais que eu queira evitar, isso ainda tem muita relevância para mim, independente de que haja hindus à beça tombando nos corações alheios. Na medida do possível, tento não ser demasiadamente egoísta porque me restam rasgos de altruísmo aqui e acolá.