OS ANOS MAIS ALUCINANTES DA MINHA VIDA

Os anos de 1997-1998-1999 e 2000 foram sem dúvida os anos mais alucinantes da minha vida.

A nível profissional, a nível humano, a nível social, foram anos de vertigem absoluta, anos em que descobri uma outra dimensão da vida, a profundidade alcoólica das noitadas, as mulheres em quantidade e não em qualidade, o valor humano de uma vida que parecia nada, mas que valia isso o imenso de uma vida.

Foram os anos de final de curso e de início da minha vida profissional, começada numa instituição que acolhia toxicodependentes e doentes com SIDA/AIDS.

Confesso a minha imaturidade a quase todos os níveis naquele último semestre de 1997, admito que sai um homem diferente, muito mais maduro, naquele Abril de 2000, em que troquei a profissão de Assistente Social por outras, mais precárias, mas também mais tranquilas…

E no centro de tudo estiveste tu, João Guerra.

Foste uma peculiar mistura de irmão mais velho, de pai, de camarada, de mentor.

Foste o meu mestre quase absoluto, eras duro como a mais dura das substâncias, mas sensível como o mais dotado e humano dos poetas.

Lendárias ficaram as noites em que me ensinaste o valor de uma vida, lendárias ficaram as noites de portentosas bebedeiras onde as lições continuavam a par com os excessos das noitadas.

Ensinaste-me a beleza da existência, que apesar das amarguras, esta era bela, a vida era sem dúvida bela, e deveria ser vivida nesse sentido…

Os ensinamentos obtidos são hoje reflectidos principalmente na minha poesia e na maturidade da minha prosa, fora a família e os amores, foste a pessoa a quem dediquei mais linhas, sempre poucas, pois elas serão sempre poucas para reflectir os teus ensinamentos de homem sábio.

E foi então, que a meio das lições, e quando os nossos laços de amizade estavam cada vez mais fortes, que morreste repentinamente, faz hoje, dia 5 de Setembro 10 anos.

Lidei mal com ela, como sempre me dou mal com as perdas de quem estimo, e o teu desaparecimento foi o princípio do fim da minha breve carreira de Assistente Social, pois dai a poucos meses abandonei a profissão para nunca mais a exercer.

Tenho saudades tuas camarada, das nossas conversas, dos teus ensinamentos, das bebedeiras lendárias, tenho tanto para te contar, cresci tanto, fiz coisas tão bonitas nestes 10 anos, descobri por fim a paz interior em Taizé, voltei a Deus, e transformei-me num homem melhor, mais sábio, como tu gostavas que fosse.

Estas linhas são pois tuas Irmão, nunca te esquecerei, estás sempre presente, como estão os meus mortos, os meus Imortais.

Foram sem dúvida os anos mais alucinantes da minha vida, mas viver e cavalgar a crista de uma onda é impossível, e eu optei por uma profissão mais tranquila, por relações sociais e amorosas mais perenes, optei por uma paz, algo monótona comparada com aqueles anos, mas uma paz imensa, e aprendi também que a paz não tem preço, dai a minha opção de vida actual, que não dispensa noitadas, amores, mas se bem que igualmente intensos, mais serenos, mais pacíficos com os quais sempre sonhei.

Vivo e aprecio a minha vida, mas sem a tal intensidade que tinha um pouco de auto-destruição, aquela que se calhar te condenou, a intensidade é comandada por mim e não o contrário, como dantes acontecia.

É claro que não sou senhor absoluto da minha vida, mas comando boa parte dela, procuro trilhar caminhos lúcidos e de uma riqueza interior da qual te irias orgulhar certamente, se estivesses hoje no meu mundo.

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 05/09/2009
Código do texto: T1793858
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