EDUCAÇÃO

Parecem um enlouquecido bando de cavalos selvagens correndo descontrolados na pradaria enquanto a manhã prossegue sua jornada. Eles chegaram de repente ao andar de cima com o seu barulho ensurdecedor, a algazarra desmedida, a perturbação inesperada. Antes deles reinava o silêncio e a paz, escrever algo sobre qualquer assunto, então, era momento que fluía no sossego e na calma. Vivíamos como se o paraíso fosse aqui, a paisagem bucólica ao longe, o vento, por vezes forte, outras ameno, visitando cada espaço aberto e deixando rastros suaves ou não de sua passagem sempre bem vinda.

Os pássaros voavam altaneiros em todas as direções assustados com o helicóptero da FAB patrulhando nas imediações do aeroporto lá adiante, de onde imensos aviões decolavam rumo às nuvens e de lá surgiam na direção da pista como estupendos gaviões pré-históricos na ânsia de aterrissar. Quando o enervante ranger dos armadores friccionados ao balançar da rede no andar de baixo começava, imediatamente eu descia levando óleo de máquina, tocava a campainha e me oferecia todo gentil para azeitar os metais em atrito e fazê-los calar, trazendo de volta a tranquilidade estremecida. É certo que o lulu da madame pulava sobre mim alvoroçado e serelepe e lambia minhas pernas sob o olhar complacente e encantado de sua dona - "é o meu bebê!", dizia ela toda feliz -, para meu espanto, mas pelo menos esse problema ganhava solução por algumas semanas, voltando a se repetir logo depois e novamente me obrigando a refazer essa via crucis para sossegar minha alma.

Antes desse tropel no andar de cima, empecilho para qualquer clima literário e impasse mesmo para o cotidiano, viver nesse condomínio proporcionava prazer e era bastante agradável. À sua entrada em nosso ambiente a rotina se transformou e transtornou. Agora, a menina saltita desembestada sobre nosso teto a todo instante e o irmãozinho joga os brinquedos no chão provocando o tonitroante som de uma mina explodindo - " os bichinhos estão brincando", respondeu-me a mãe no dia em que a própria deixou cair na cozinha, de forma estrondosa, um armário e os moradores, atônitos, ficaram em polvorosa pensando que uma bomba havia explodido no prédio.

Hoje, nem as pequenas e frágeis borboletas que adentravam minha sala se arriscam a isso, apavoradas com os muitos e repentinos silêncios despedaçados pela correria descontrolada e insuportável no andar de cima. Até mesmo a ventania furiosa que tantas vezes bate portas e assusta fica muda quando o teto treme ante o pisotear da criança no seu vai-e-vem desenfreado em altíssimo e bom som.

Morar em coletividade não é fácil, nem todos foram educados para entender que acima e abaixo deles há pessoas doentes, idosas e, independente desse aspecto, demais seres humanos apreciadores de uma existência tranquila a que têm direito. Infelizmente.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/09/2009
Reeditado em 18/07/2012
Código do texto: T1793812
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