Psicanalista Depressivo
Sentei no divã, olhei fixamente para um relógio na parede; 01,02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 01, 02... Queria falar algo, mas só conseguia contar, claro que aquilo não me foi normal, tinha noção disso, mas deixa pra lá; 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 01... Parei subitamente com aquela soma inútil e perguntei: Mas por que não há 13, 14, 15, por que pára aqui? Levantei, fui até o relógio e coloquei meu indicador sobre o número 12. Nenhuma resposta me veio, afinal de conta eu era o paciente e meu médico ao mesmo tempo, eu era o doido, o atrasado, o sem tempo, o ocupado, e analista ao mesmo tempo.
Neste instante também entendi o porquê meus pacientes relaxam, o porquê dormem em muitas idas ao meu ambiente de trabalho. Acontece que o divã centralizado na sala é confortável, macio, gostoso... Acho que vou cochilar. Seguro o telefone, vejo as chamadas não atendidas, e desligo definitivamente o aparelho. Esfrego os olhos, numa ânsia de mentira em plena manhã. As paredes escuras, o home Office, os livros, as plantas ornamentais, tudo aquilo parece de mentira, e então volto a contar; 01, 02, 03, 04, 05... Sou psicanalista, e eu preciso de psicanalista, estou sentindo que as correntes serram meus braços gordos e ferem minha barriga branca, e também gorda. Estou sentindo que esta minha profissão, liberta as correntes dos deprimidos, dos angustiados, dos tristes e me acorrenta aos sentimentos deles. Esta é minha paixão, mas assim como toda paixão, doentia para o meu coração.